segunda-feira, outubro 28, 2013

Ode ao inútil...

Sou contemporânea da inutilidade. Dos dias sem rumo, das tarefas sem frutos, do mundo invisível.
De todas essas coisas de que nos ocupamos mas não podemos tocar. 
Os dias de labor que não se materializam, não se apalpam nem se vêem. O pensar.

O inútil das coisas que sabemos quando nos deparamos com um mundo que não quer saber de nada.
O inútil que é conhecer a beleza das coisas e ter de viver na fealdade.

O desperdício. O tempo perdido, a inutilidade.
De todos esses anos a imaginar futuros e a preparar caminhos, quando percebemos que a estrada estava à partida fechada. As batalhas, perdidas antes de começarem, inúteis e no entanto nós saímos para batalhar. 

Percebemos então a singularidade do nossa posição. A inutilidade de tudo isto.
No dia que aceitarmos a inutilidade da existência, talvez deixemos de nos preocupar com a relevância da vida e começar finalmente a existir.
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Não saber o que fazer é um vasto campo pantanoso onde nos enterramos todos os dias um pouco mais. Esperneamos porque queremos sair, mas é o nosso próprio espernear que nos afunda. Como se morrêssemos de vagar por não saber o que fazer e morrêssemos depressa exaustos de procurar.

Um dia iniciamos um caminho numa campo de estudo, numa área que achamos que pode ser a nossa vida. Apaixonamos-nos, damos tudo num romance que se espera dure para sempre. Nos faça felizes, nos ajude a crescer. Esperamos coisas desse campo, esperamos poder dar, ajudar a evoluir, fazer bodas de prata e de diamante professando a profissão. Uma vida.

E depois num outro dia, anos mais tarde acordamos de coração partido. Fomos abandonados. Ou enganados, ou tudo junto e aquela coisa que nutrimos durante tantos anos já não é nada do que conhecíamos. Não se transformou no que esperávamos. 

De luto, pensamos: talvez seja a hora de nos divorciarmos.

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Ai a inutilidade de tudo é evidente.
Se tudo o que sabemos não nos serve. Que nos sobra?
Quem somos? O que é suposto fazer a seguir?

Como, a seguir a um divorcio litigioso nos apaixonamos outra vez?
Vamos a tempo de recuperar os anos perdidos? 
Vamos a tempo de recomeçar? De ser realmente bons em qualquer outra coisa?
Podemos sonhar? Podemos não ser divorciados na carteira profissional?

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Há uma elite de privilegiados que diz fazer o que gosta. Aqueles que não trabalham um dia na vida como diria Confúcio.

Depois há os que trabalham porque têm de viver. Camus disse que é uma espécie de Snobismo espiritual pensar que podemos ser felizes sem dinheiro. Há quem seja, mas queremos mesmo nós viver sem dinheiro? Faz-me diferença não aceder a coisas? Ao belo? Ao saudável? Ao divertido? A cultura? Não queremos nós que as montras se materializem nas nossas vidas, com coisas bonitas?

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Ainda na inutilidade das coisas, e depois de tantos anos de amor e uma cabana eu e o jornalismo estamos em crise. Existencial. Comunicamos pouco, escrevemos menos. Houve tempos que eu achei que o podia fazer feliz.

Houve um tempo em que ele teria-me feito muito feliz...
A cabana está podre.
O amor... sendo intemporal e inalienável de mim ... é inútil...

Podemos sobreviver à simples constatação da inutilidade das coisas?












domingo, outubro 20, 2013

Casa...

Nunca tive casa. Tive casas. Sítios espontâneos onde era suposto existir.
Escovas de dentes perpétuas num copo abandonado, gavetas meio vazias e um espaço que eu deveria ocupar a tempo inteiro, no qual não comparecia. 

Temporariamente definitivo. A casa do pai e a casa da mãe. Como realidades paralelas, muito para além das distâncias que as separam. Muito para além dos seus significados. Casas, dimensões. Sítios diferentes. Existências distintas, uma sensação inesgotável de não pertencer. 

Não se esgotou ai. Houve um momento em que tinha cinco escovas de dentes activas. Em vários pontos do país, nessas casas que eram todas a minha. A da mãe, a do pai, a da irmã, a do namorado, a minha… Sítios. Frios, com cheiros. Com rotinas e almas. Pessoas. Casas, dos outros. Que deviam ser um pouco minhas.

Quando se está em todo o lado, não se está realmente em lado nenhum. Quando se é nómada a nossa casa segue atrás de nós, num qualquer pacote reduzido de pequenos objetos transportáveis. 

Num portefólio infindável de caras que não conseguimos fixar. De vidas que correm, imparáveis e que nós não conseguimos acompanhar. 

E no entanto, o desejo de ter uma casa é ensurdecedor. E quanto mais o tempo passa, e as casas se multiplicam, mais o silêncio das paredes vazias grita. 

Não somos realmente de sítio nenhum se não temos casa. Somos múltiplos se tivermos muitas casas, mas somos completamente sós se acharmos que podemos viver em todas elas. Não podemos. Podemos ter uma casa. Um sítio, todos os outros são adereços. Passagens. 

Depois de tantos anos, tantas casas. Não tenho casa. Nem a minha se sente minha quando aqui estou… Por isso é fácil, fazer a mala e ir. Reduzir o quotidiano ao indispensável e empacotar. Não devia. Mas é. 

Numa certa apatia. 

Se casa é onde o nosso coração está…encontro-me algo sem abrigo neste momento…

segunda-feira, outubro 07, 2013

Dos objectivos pessoais e outras corridas...

Gosto de correr. Não gostava, não gostava de nada que implicasse um grande esforço. Foi uma educação necessária, trabalha-se o corpo, mas em primeiro lugar educa-se a mente para o esforço, para a resistência à dor. Foca-se as forças em objectivos. Aprende-se na paciência do esforço e da recompensa. E essa educação vai muito para além da corrida, espalha-se nas nossas vidas.

Não sou uma grande atleta cheia de possibilidades por cumprir. Fiz as pazes com isso depressa, aceito as minhas limitações e principalmente compreendo que a recompensa surge de um trabalho longo, pesado e de um comprometimento com a causa que nem sempre estou disponível a fazer.

Essa aceitação poupou-me a muitas frustrações e fez de mim a minha única adversária. O meu tempo, as minhas possibilidades, a minha vontade, eu e tudo aquilo que eu conseguir perante mim.

Parto para cada prova com essa certeza que vou fazer o melhor com aquilo que tenho. E acabo sempre com grande satisfação por ter simplesmente chegado ao fim.

Mas os tempos existem, os percursos mais ou menos difíceis e a competição, mesmo que interior é inata. Por isso estabelecer objectivos é algo que também eu faço. Tento fazê-lo de forma realista, mas faço e fico genuinamente feliz por os cumprir.

Ontem fiz a minha quarta 1/2 maratona e tinha um objectivo claro, baixar para a 1h50m. Sem pressões, sem tragédias pessoais se não conseguisse. Mas queria muito fazê-lo e fiz. E estou genuinamente feliz com isso.

Fiquei tentada a abandonar o objectivo ainda antes da partida. Demasiada gente, pouco espaço para progressão. mas partimos bem posicionados. Inicialmente ia fazer a prova com uma "lebre", mas tornou-se impossível seguir alguém nos primeiros minutos tal era a confusão.

Fiquei portanto sozinha. Eu e eu mesma a olhar para um relógio cruel sempre a debitar minutos e poucos quilómetros a passar.

Os primeiros 12kms não tiveram história. feitos numa hora e poucos segundos, era o plano e o plano cumpriu-se.

Por volta do 14kms houve a primeira quebra. A psicológica, aquela incerteza no objectivo, um desacelerar do ritmo e o primeiro fraquejar de pernas. Houve ai muita conversa interior, muito "PEP Talk", muito "vais conseguir, não desistas". Depois entra-se na fase, "ok, também se não conseguires não tem problema, há outras provas" enquanto se vai recuperando lentamente até à próxima quebra. E ela chega, chegou pelos 17kms, pernas pesadas, corpo dormente, passada curta.

O calor do asfalto a queimar. Cada vez mais espaço para correr e os quilómetros a contar. E o raio do tempo que não para.

Ainda assim, ao 18kms a lutar contra a quebra massiva, olhei o relógio e acreditei. Um "feeling" e quando se acredita surge mais, muito mais força que vem não sei bem de onde, muito mais resistência à dor, muito mais determinação para o "tem de ser e é hoje!".

Cheguei em cima da 1h49m06. E vinha extasiada. Com vontade de chorar com a emoção de ter conseguido.

1h49m06s não é extraordinário para o mundo em geral, mas é o melhor que eu pude fazer até hoje. É EXTRAORDINÁRIO para mim.

Uma muito pequena vitória que me faz acreditar que tal como na corrida, podemos educar-nos para as pequenas batalhas que travamos na vida. Até que vamos ser fortes para enfrentar as grandes!

P.S: Um obrigada pelo apoio de todos. Em especial da Alcateia ACP. É tudo mais fácil quando fazemos parte de algo, e é bom fazer parte da Alcateia :)

"The only real progress lies in learning to be wrong all alone." - Albert Camus


Crescemos sempre acompanhados. Amparados por todas essas pessoas que destingem por nós o bem e o mal.

Todas essas pessoas que nos apontam caminhos e nos primeiros anos escolhem por nós. Coisas pequenas -o que fazer, quando comer, onde ir, com quem conviver. Coisas grandes - o nosso destino, onde vivemos, que tipo de educação teremos e desenham por nós a pessoa que havemos de ser.

Todos eles a apontar o nosso erro. Os erros são por isso coisas que os outros encontram em nós. Defeitos de fabrico, pequenas falhas de educação, grandes desvios de personalidade. Erros, são coisas que os outros descobrem. Anuímos perante isso. Somos educados para a culpa. O erro é culpa que vem do exterior.

Crescer é interiorizar o erro. Descobri-lo, admiti-lo e viver.

E esse processo é tremendo e violento. Vem com o medo.

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Diz que os 30 são os novos 20. Parece óbvio. Somos adolescente inconsequentes mais cedo, adultos mais tarde e a deriva intensifica-se.

Falta cerca de 4 meses para fazer 30 anos e quando olho para trás vejo uma década ambígua. Talvez não seja perdida, talvez tenha sido essencial.

Mas a poucos dias de começar mais uma etapa escolar aqui estou eu. À beira de uma nova década, temendo os primeiros dias de aulas com o desconforto do confronto com pessoas desconhecidas. Com as apresentações ao estilo grupo de ajuda, currículos e egos a encher a sala.

Salas, corredores e pessoas para fixar. Uma vida nova para além da vida. Desprovida de sentido e assustadoramente na deriva.

Porque na minha outra década - a passada - era suposto ser isso, era suposto estar nesse entre e sai de salas com cadeiras desconfortáveis, nesta década...ainda não sei onde é suposto estar.

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Sinto a década a acabar nesse salto de fé. De que o caminho se faz caminhando e que de alguma forma, no fim, o absurdo de cada momento vivido, tudo fará um grande sentido. Porque não faz por enquanto.

Nada faz num mundo em que os pressupostos iniciais foram alterados. Num jogo cujas regras mudaram a meio e não nos foi permitido sair. 

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Borboletas na barriga e dúvidas...
O tempo...e essa impossibilidade de o refazer...
Abrir o coração ao erro, aceitá-lo. Descobri-lo sozinha e pacificá-lo no meu ser.
Crescer.

Espremido o tempo...somos tantos e estamos tão completamente sós....


terça-feira, outubro 01, 2013

"Lembra-te de esquecer." - Kant


"Devia ser algo fácil. Esquecer. Pôr pedras em cima de assuntos, enterrá-los e não lhes mexer. Esperar que se transformassem em simples fósseis, difíceis de analisar, impossíveis de datar e que contassem apenas partes simpáticas da história.

Mas somos poços infindáveis, onde os pensamentos vagueiam, vão e voltam e nos inundam, nos afogam por vezes. Há dias que morremos várias vezes afogados nesse poço de situações. Ressuscitamos apenas para poder morrer mais uma vez.

O esquecimento, essa variável do tempo, devia ser uma função automática, programada nos genes, intrínseca a todos nós, porque se o tempo não anda para trás, porque se só o podemos viver uma vez, errar a escolha uma vez, sem hipótese de correcção...esquecer de forma natural seria mais que um paliativo, seria a cura do de todo o mal."