segunda-feira, abril 28, 2014

"Joie de vivre"


"Há um ponto na consciência onde acaba a nossa persona social e começa o nosso eu. Um ponto onde se acaba a culpa, onde se acalma a ansiedade e se apagam preconceitos.

Ultrapassado esse ponto invade-nos uma sensação morna de felicidade. Cresce no centro do corpo e se eleva fazendo ruborescer as faces.

Podemos chegar lá de muitas formas. Mas uma vez que lá chegamos devemos saber que é um sítio vicioso. 

Que é humano querer sempre mais do que é bom.
Mas como é insustentável essa leveza de ser…não podemos permanecer lá muito tempo sob pena de se ficar irremediavelmente perdido...

Mas sair e encarar a realidade dá-nos esta sensação de ressaca emocional....

Pagamos sempre, de qualquer forma os excessos da vida."

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Há dias difíceis a segunda-feira costuma ser um deles. A sensação de descanso do fim-de-semana transforma-se num cansaço pesado quando temos dias realmente vividos. Durante os dias que somos livres não paramos e depois chegamos aqui. Se há algo que detesto na vida moderna, nos dias de semana, no trabalho...é esta sensação de que alguém é dono do meu tempo.

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A sensação de ressaca emocional é algo que se agrava ao longo da vida. Porque vamos degustando novas sensações, mais e mais e aprendemos que a vida pode ser surpreendente, emocionante e cheia de aventura. Queremos isso todos os dias. Estímulos.
Gostos, cheiros, emoções.

E quando um dia é apenas um dia, só mais um dia. Uma espécie de papel branco que não se vai preencher nem encher de história cresce-nos este amargo de boca, um tédio existencial, o sentimento de desperdício, de tempo, de vida. "Hoje não estou a ser tudo aquilo que posso ser. Não estou a aprender, não estou a ser feliz ou a sofrer. Não estou."
Essa linha plana a seguir a altos e baixos cria esta sensação física de ressaca, banhada de ansiedade, vazio.

A ressaca emocional agrava-se há segunda-feira. Mesmo ontem éramos livres...hoje estamos  de volta ao mundo real.

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A ressaca emocional dá-se porque se provou esse "joie de vivre". Porque se nos encheu o palato e sabores, porque o sol bateu-nos morno na face. Porque dançamos de olhos fechados em noites de deslumbre.
Porque abraçamos pessoas e sentimos corações a baterem ao mesmo ritmo que o nosso.
Porque vimos a beleza dos dias que acabam em noites suadas, ridas em conjunto e vividas muito para além dos limites.

A ressaca emocional é a paga por se estar embriagada pelos dias, a afogar-se constantemente nesta vontade imensa de viver...

A mãe natureza é perfeita...tal como se o álcool não desse ressaca andaríamos perpétuamente bêbados....Se não houvesse essa persona social... o nosso eu pensaria apenas em "viver com prazer".


quarta-feira, abril 09, 2014

“I would rather live my life as if there is a god and die to find out there isn't, than live my life as if there isn't and die to find out there is.” ― Albert Camus




Poderia perder a fé, mas como se perde algo que não se tem? Ou que se tem de uma forma tão abstrata e absurda que nunca se conseguiu tocar?

Meu pai disse-me um dia que quando morrêssemos íamos para a terra, que seria um nada, que para lá da vida havia apenas a morte. Crê a sério na nossa finitude. Disse-me que as pessoas acreditam em algo porque lhes dá conforto, criamos um sentimento de possibilidade, acrescenta-nos sentido.

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No outro dia  a minha tia confidenciou-me ao ouvido, enquanto caminhávamos atrás do carro, a passos lentos, de cabeça baixa, sussurrando trivialidades para esquecer a caminhada.

      Tia: “Sabes, a tia em maio vai fazer um retiro. Em Beja.”
      Eu: “Um retiro tia, desses de ficar em Silêncio?”
      Tia: “Sim, são três dias. Estás lá, rezas. É tão bom, faz tão bem à tia.”

Ficamos no silêncio, dando passos. De braço dado. Brilharam-lhe os olhos de satisfação no meio daquela tristeza.
Em contraponto à descrença, o braço que segurava no meu dava passos de fé. Os meus eram só passos.
Em que se acredita, quando não se acredita em nada?

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Nunca soube lidar com a perda de alguém. Isso reflecte-se num comportamento que roça a apatia. Lágrimas que não caem, palavras desajeitadas que nunca são ditas na altura certa. Abraços estranhos que se recebe com reticências e um mundo de coisas que são um tédio existencial. Tudo isso transformando o meu coração numa enorme pedra. Fria e impossível de compreender.
Às vezes acho que sou uma miúda muito, muito esquisita…

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Continuo no embaraço de não saber os gestos e de repetir como que com um engasgo as ladainhas. Não entendo a aquela comunhão, nem a reverência. Respeito, mas não faço parte.

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Kierkegaard alegou que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de maneira sincera e apaixonada, apesar de admitir que existem muitos obstáculos e distracções. 
O desespero, a ansiedade, o absurdo, a alienação e o tédio atravessam amiúde o nosso caminho.
Da escola existencialista continua a assombrar-me Camus e o absurdo da vida.
Imaginar Sísifo feliz é uma imagem que me persegue, e que ao mesmo tempo me abre portas para a aceitação das provações, porque se Sísifo puder encontrar sentido na sua tarefa inglória, incessante e sem sentido, também eu poderei dar sentido aos dias.

Se aceitarmos a falta de sentido, o absurdo da nossa existência, não há porque tentar explicar a morte, ela simplesmente existe. As nossas perdas são só fruto de um acaso, de situações, do simples facto de estarmos vivos.

Até certo ponto acho isso mais reconfortante que acreditar no juízo final, no céu e na terra. Não creio que exista explicação para o sofrimento que existe e se espalha bem mais rápido que as bênçãos no mundo.
Com diria o velho Woody, se ”Deus existe, espero que tenha uma boa desculpa.”.

Espero sinceramente que exista…apesar de tudo, pior que acreditar na coisa errada… é não acreditar em nada.


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Demos passos largos e lentos. Olhando os pés, num cortejo pejado dos olhares de quem pára à beira dos passeios. Nem véus pretos, nem choros altos. Só silêncio, céu negro e um ar abafado.
O cheiro adocicado de flores que murcham depressa demais, morrem antes do tempo...como se mais alguma coisa precisasse de morrer com a parte de nós que parte.
Os passos, lentos. O cheiro do fumo de escape dum carro já passado que entorpece quem respira. As pedras gastas da calçada.
A terra remexida. O cheiro a sebes, a flores murchas, a lexivia que alguém esfregou no mármore.
A imponência...o branco...o limite entre o céu e a terra marcado no horizonte pelo muro alto, o muro que cria silêncio.

As pessoas entraram e saíram, deram sentimentos. Trataram-me como se me conhecessem... talvez tenham andado comigo ao colo... eu só me questiono sobre quem são, porque prestam respeito. Eu não era daquela terra.

Segundo Garcia Marquez...agora já sou...