O rascunho deste texto sobrevive nas entranhas do
blogue desde o verão quente de 2014, e voltei a pegar nele porque me tenho
questionado sobre o que aconteceu a todos aqueles rostos esquálidos que vi nos corredores
do Santa Maria, quando eu própria lá andava em desequilíbrio.
O que fizeram esses desequilíbrios de nós? Quem teríamos
sido sem a dismorfia, sem a ausência de autoestima enquanto construíamos
adolescentes e nos preparávamos para ser mulheres inteiras?
Quem somos hoje, duas décadas depois? Pessoas equilibradas ou como antigos dependentes a um evento de perder a noção espacial e todo e qualquer reflexo passar a ser um casa de espelhos destorcidos capaz de nos enlouquecer?
Há uma década, a minha pele parecia-me apertada tal como me parece agora.
Na altura não tinha balança em casa e pesei-me no ginásio, tinha mais 4kgs do que o meu corpo pós-adolescente usou durante os meus 20’s. A ideia tornou-se uma obsessão. A obsessão com os 4kgs. Eu sentia-me mais pesada, mas era uma abstração, agora que era um número, não parou de me perseguir, como dois sacos de arroz presos a cada pé.
Passei a adolescência entre psicólogo e psiquiatra,
entre o prozac e a anemia. Entre ciclos de jejum e festins alimentares. Anos a
habitar um corpo que eu resolvi matar à fome porque a imagem que eu tinha de
mim era mais frágil, mais quebradiça.
Porque eu ocupava demasiado espaço, nunca fui delicada, sempre tive ombros
largos e após uma infância muito próxima da hiper actividade evoluí para uma
adolescência melancólica e apática com pouca energia para viver.
Há 10 anos, como agora, uma parte racional do meu ser não queria saber disso, observava o mundo de um outro angulo. A menina de 15 anos, essa estava e está assustada, bastam 4kgs mais persistente para que essa construção, essa persona confiante e equilibrada se sinta ameaçada. Que em alguns momentos na vida eu sinta que posso mesmo perder o controlo dos dias e estar novamente só no escuro a desejar intensamente ter um ar pálido, ossos salientes...
Todos esses sentimentos num mundo completamente obcecado com o comer. Com as
televisões pejadas de Master chefs, os restaurantes sorrindo com caras Gourmet,
o mundo dos vinhos a convidar à constante degustação eu aterrorizada com o
simples facto de que tenho de comer para viver.
Agora como nessa altura não estou gorda. Continuo apenas pesada para aquilo que
eu acho que deveria ser. Esse é um conceito que sempre terei distorcido. Tenho
40 anos. Agora, como quando tinha 15 não acho que seja influenciada pelos
padrões de moda vigentes, não sigo influencers nem me quero parecer com nenhuma
estrela. Mas "Nothing Tastes As Good As Skinny Feels"o mantra dos
90´s continua-nos nos ossos.
Aos 40, como aos 15 o controle que eu devia ter do meu peso continua a ser uma metáfora desaforada daquilo que devia ser o meu controlo da vida, num sistema complexo de esforço e recompensa, de ato e consequência.
A anatomia dos 4kgs não se confere numas calças
apertadas, nem em cortar nos hidratos de carbono ou correr menos para levantar
pesos e estimular o metabolismo. Os 4kgs são uma ferida antiga, uma cicatriz
que me lembra que o equilíbrio da nossa mente é tão ténue que às vezes duvido
que possa realmente existir.