terça-feira, abril 28, 2015

A Liberdade...e o meu gato.



O meu Gato fixava longamente a rua que ficava para lá da janela fechada. Na rua, na terra desconhecida chilreavam pássaros que saltavam da ameixeira para o limoeiro sem lhe ligar.
Ao fim da tarde, à hora do comer, saiam dos buracos, do meio das laranjeiras, dos quintais dos vizinhos, os gatos despenteados a que damos sustento, gatos vadios, que se punham a fitar o meu gato, deitados de ar satisfeito no meio do terreno, e o meu inerte olhava-os de volta pelo vidro.
Na rua, há o gato preto. O gato preto não gosta do meu. É velho e matreiro e sai nas janeiras para as gatas voltando escanzelado e ferido. Não gosta do meu e assim que pode deu-lhe uma tareia à altura.
Lá fora há perigo, e ainda assim, o meu gato perdido nas nostalgias do mundo desconhecido perdia as tardes imaginando como seria.

***

Pensei então que não há nada mais transversal à vida do que essa necessidade, esse instinto de liberdade.
Na rua há fome, na rua há insegurança, há perigos e outros gatos pouco amistosos, na rua há frio em contraponto á manta fofa do sofá, há chuva sem abrigo. Há incerteza e aventura.

Em casa há proteção.
Mas nessa senda por onde corre o nosso instinto, antes a liberdade cravada de fome e frio, do que a insipidez da vida passada atrás do vidro.

***

O gato aprendeu então a fazer deslizar a janela entreaberta, encolheu-se e passou. Colocou os pés na terra, explorou o quintal, o nosso, depois o do vizinho. Voltou é certo, mas não voltou para ser fechado, voltou para ter a liberdade de sair quando quiser, não lhe abrimos a porta, ele desliza a janela, ele sai sozinho.


***

Algo maravilhoso é essa coisa, esse livre arbítrio. Uma escolha pensada, a auto-exposição ao perigo. O certo é que quando confrontados, não nos falte a coragem, antes preferimos ser livres do que viver protegidos.

E como diria Camus, "A liberdade mais não é que uma oportunidade para sermos melhores", deixemos-se de coisas, nada é mais valioso do que sermos livres.


P.S. 41 anos depois do 25 de Abril ainda ouço por ai saudosistas da outra Era. Dantes desgostava-me a ignorância, de forma penosa. Hoje, enche-me de ira, porque uma grande parte da ignorância é voluntária, pior que não saber, é não querer saber...

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