Não a quis ver no caixão.
Não vejo ninguém, olho para o lado. De que nos serve
contemplar ruínas abandonadas, casas vazias que são os corpos mortos?
Escombros do cataclismo que é morrer.
Esses escombros que serão incinerados ou enterrados e quem
sabe, esquecidos num canto da terra para a arqueologia um dia tentar nos
perceber.
É o nada. Contemplamos uma caixa de madeira enquanto fitamos
os bicos dos sapatos por engraxar tentando não olhar ninguém de frente e
escancarar a nossa desadequação ao momento.
Quando não sabemos como chorar nem responder às ladainhas da
missa. Ou quando não conhecemos as pessoas que chegam a nós cheios de
sentimentos, ou quando engolimos as palavras cheias de segundas intenções das famílias
desavindas. Nesses momentos olhamos para os pés e tentamos descobrir o que
fazer com as mãos na esperança de encontrar algum tipo de dignidade na postura.
Perdemos todos de maneiras diferentes.
E quando tudo isso passou, nem já a ruína existe, foi
transformada em cinzas, tudo deixa de ser sobre quem cessou de ser e passa a
ser sobre nós, a nossa perda.
Sobre o que teríamos feito diferente, onde lhes falhamos, o
que não lhes demos por exaustão ou simples egoísmo ou todas as outras pequenas coisas que nos travessaram a vivência.
Ficamos a contemplar os nossos corpos, casas vivas, orgânicas,
algumas ainda em construção, outras em declínio, mas vivas e imaginamos que um
dia seremos nós ruínas depositadas numa caixa de madeira para outros contemplarem.
Questionamos quem somos, que vida estamos a viver, é a
melhor que poderia ser?
Noutros momentos afundamo-nos no absurdo disso tudo… o que interessa se seremos ruínas um dia?
Depois disso faremos o esforço de perceber qual foi a última coisa que fizemos que foi realmente significativa por quem faleceu, o que lhe dissemos, quem foi para nós, quem fomos para eles e que falta nos fará.
E quem somos se as respostas são ambíguas, e há vazio no
lugar de grandes histórias partilhadas, de mentoria. Que sobra se sabemos que
não nos teríamos escolhido? E ainda assim partilhamos uma vida.
Um dia serei ruínas, uma casa vazia pronta a incinerar. Não
ficarei sequer para estudo da arqueologia.
Alguém fará disso um momento sobre a sua perda, ou não.
Morrer parece ser um caminho que se faz sozinho.