sexta-feira, dezembro 29, 2023

Sobre as ruínas...

Não a quis ver no caixão.

Não vejo ninguém, olho para o lado. De que nos serve contemplar ruínas abandonadas, casas vazias que são os corpos mortos?

Escombros do cataclismo que é morrer.

Esses escombros que serão incinerados ou enterrados e quem sabe, esquecidos num canto da terra para a arqueologia um dia tentar nos perceber.

É o nada. Contemplamos uma caixa de madeira enquanto fitamos os bicos dos sapatos por engraxar tentando não olhar ninguém de frente e escancarar a nossa desadequação ao momento.

Quando não sabemos como chorar nem responder às ladainhas da missa. Ou quando não conhecemos as pessoas que chegam a nós cheios de sentimentos, ou quando engolimos as palavras cheias de segundas intenções das famílias desavindas. Nesses momentos olhamos para os pés e tentamos descobrir o que fazer com as mãos na esperança de encontrar algum tipo de dignidade na postura. Perdemos todos de maneiras diferentes.

E quando tudo isso passou, nem já a ruína existe, foi transformada em cinzas, tudo deixa de ser sobre quem cessou de ser e passa a ser sobre nós, a nossa perda.

Sobre o que teríamos feito diferente, onde lhes falhamos, o que não lhes demos por exaustão ou simples egoísmo ou todas as outras pequenas coisas que nos travessaram a vivência.

Ficamos a contemplar os nossos corpos, casas vivas, orgânicas, algumas ainda em construção, outras em declínio, mas vivas e imaginamos que um dia seremos nós ruínas depositadas numa caixa de madeira para outros contemplarem.

Questionamos quem somos, que vida estamos a viver, é a melhor que poderia ser?

Noutros momentos afundamo-nos no absurdo disso tudo… o que interessa se seremos ruínas um dia?

Depois disso faremos o esforço de perceber qual foi a última coisa que fizemos que foi realmente significativa por quem faleceu, o que lhe dissemos, quem foi para nós, quem fomos para eles e que falta nos fará.

E quem somos se as respostas são ambíguas, e há vazio no lugar de grandes histórias partilhadas, de mentoria. Que sobra se sabemos que não nos teríamos escolhido?  E ainda assim partilhamos uma vida.

Um dia serei ruínas, uma casa vazia pronta a incinerar. Não ficarei sequer para estudo da arqueologia.

Alguém fará disso um momento sobre a sua perda, ou não.

Morrer parece ser um caminho que se faz sozinho.