Primeiro habitamos um corpo, depois uma casa, uma rua, uma vila, uma região, um país e o mundo.
Habitar, não quer dizer existir, nem fazer parte. Podemos viver a vida todo num corpo que ignoramos, numa terra que desconhecemos, viver sem nos envolvermos numa comunidade. Estamos, ocupamos espaço.
Eu preciso de habitar espaços que me reflictam. Um corpo que não se dissocie da minha mente, casas cujas paredes me relaxem perante a visão de coisas familiares, terras que possam matar a sede de estar só ao mesmo tempo que alimentam a fome de multidão.
A terra pequena não faz uma coisa nem outra. Nunca estamos sós numa rede familiar que se ocupa de nós, e nunca estamos emersos numa multidão que não existe. Um paradoxo, aqui onde me devia sentir relaxada e descansada sinto-me mais cansada que nunca.
As casas que são habitadas por várias pessoas nunca caiem no esquecimento dos dias, não há penumbras familiares e os objectos nunca são abandonados à mercê do tempo. A co-vivência em consciência obriga-nos a pensar no espaço dos outros e nunca termos um momento de autêntica redenção. O deixar estar fora da ordem universal, viver com os outros é manter a vida arrumada numa certa disposição.
Não se deixa o jantar para um tempo indefinido, nem se abre uma garrafa para degustar a solidão quando há com quem a partilhar. O rádio luta com a televisão, as janelas trocam-se com portas na luta das correntes de ar que não agradam a todos. E morrem-nos as brisas frescas na pele trocadas por ares estagnados.
sexta-feira, março 15, 2024
Viver com os outros...
Publicada por Angie Mendes à(s) 9:38 da manhã 0 comentários
sexta-feira, dezembro 29, 2023
Sobre as ruínas...
Não a quis ver no caixão.
Não vejo ninguém, olho para o lado. De que nos serve
contemplar ruínas abandonadas, casas vazias que são os corpos mortos?
Escombros do cataclismo que é morrer.
Esses escombros que serão incinerados ou enterrados e quem
sabe, esquecidos num canto da terra para a arqueologia um dia tentar nos
perceber.
É o nada. Contemplamos uma caixa de madeira enquanto fitamos
os bicos dos sapatos por engraxar tentando não olhar ninguém de frente e
escancarar a nossa desadequação ao momento.
Quando não sabemos como chorar nem responder às ladainhas da
missa. Ou quando não conhecemos as pessoas que chegam a nós cheios de
sentimentos, ou quando engolimos as palavras cheias de segundas intenções das famílias
desavindas. Nesses momentos olhamos para os pés e tentamos descobrir o que
fazer com as mãos na esperança de encontrar algum tipo de dignidade na postura.
Perdemos todos de maneiras diferentes.
E quando tudo isso passou, nem já a ruína existe, foi
transformada em cinzas, tudo deixa de ser sobre quem cessou de ser e passa a
ser sobre nós, a nossa perda.
Sobre o que teríamos feito diferente, onde lhes falhamos, o
que não lhes demos por exaustão ou simples egoísmo ou todas as outras pequenas coisas que nos travessaram a vivência.
Ficamos a contemplar os nossos corpos, casas vivas, orgânicas,
algumas ainda em construção, outras em declínio, mas vivas e imaginamos que um
dia seremos nós ruínas depositadas numa caixa de madeira para outros contemplarem.
Questionamos quem somos, que vida estamos a viver, é a
melhor que poderia ser?
Noutros momentos afundamo-nos no absurdo disso tudo… o que interessa se seremos ruínas um dia?
Depois disso faremos o esforço de perceber qual foi a última coisa que fizemos que foi realmente significativa por quem faleceu, o que lhe dissemos, quem foi para nós, quem fomos para eles e que falta nos fará.
E quem somos se as respostas são ambíguas, e há vazio no
lugar de grandes histórias partilhadas, de mentoria. Que sobra se sabemos que
não nos teríamos escolhido? E ainda assim partilhamos uma vida.
Um dia serei ruínas, uma casa vazia pronta a incinerar. Não
ficarei sequer para estudo da arqueologia.
Alguém fará disso um momento sobre a sua perda, ou não.
Morrer parece ser um caminho que se faz sozinho.
Publicada por Angie Mendes à(s) 2:57 da tarde 0 comentários
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terça-feira, julho 11, 2023
Paradoxos...
Não sei como, mas a vida transformou-se numa exaustão perpétua, uma deriva em que temos de escolher quem queremos ser a todos os instantes, numa sucessão de paradoxos, que mudam a cada novo estudo e que se tornam verdades absolutas nos vídeos do Youtube, pelo menos, até se fazer refresh e encontrar uma validação diferente.
Devemos acordar bem cedo, fazer
ioga, escrever no diário, ler 10 páginas e ainda meditar, de preferência em
jejum, mas o sono é de ouro e não podemos deixar de dormir 8 horas.
Dez minutos aqui, outros dez ali.
Levanta-te de meia e meia hora. Exercícios de 7 minutos várias vezes ao dia são
mais eficazes que estafantes jornadas e estar sentada demasiado tempo é pior
que fumar para a saúde, já estar de pé faz doer as costas.
O cardio não emagrece e o melhor é
levantar pesos, ou fazer HIIT ou as duas coisas, mas não deixar de correr
porque faz bem ao coração. E claro, temos de encontrar tempo para descansar,
que também faz parte do treino e o stress é corrosivo.
Cortar nos hidratos e afastar o
glúten, eliminar lacticínios que incham a barriga, não comer produtos
processados, à exceção de hambúrgueres vegetais que sangram e ninguém sabe bem
como foram feitos, há que proteger o ambiente e manter o nível de proteína.
Comer de 3 em 3 horas, ou talvez
seja melhor não comer de todo, fazer jejum. 16 horas, 36 ou 2 dias por semana, é
escolher o protocolo e baixar a app.
Um copo de vinho às refeições, mas
tinto que tem mais polifenóis. Uma cerveja por dia que faz bem aos ossos, li
num estudo, mas talvez seja melhor deixar o álcool de todo que envelhece.
E para enganar os anos que marcam a
pele há o gel de limpeza, o sérum, o contorno dos olhos, o creme de dia e o de
noite, a máscara semanal, os exercícios faciais para afinar o queixo e diminuir
as linhas na testa. Nunca esquecer o protetor solar, fator 50, mas apanhar sol
suficiente porque nos faz falta a vitamina D se não queremos acabar deprimidos
e com raquitismo.
Ler mais 10 páginas depois do
jantar, está informada, dentro da cultura, mas não olhar para ecrãs duas horas
antes de ir dormir que a luz azul interfere com a produção de melatonina. Mas
há comprimidos para isso, só mais uma dose de vitaminas. Devemos suplementar
sempre, ou só quando temos dores e tem dias que parece que comprar vitaminas é
só deitar dinheiro fora.
Autoestima é necessário, se não
gostarmos de nós quem gostará? Mas a linha é ténue, entre o amor próprio e o narcisismo.
Apostar na saúde mental, no equilíbrio emocional, aprender a estar sós sem nos
sentirmos solitários. Mas nunca esquecer o importante que é ter um círculo
social, sair, te divertires e viver aventuras.
A vida são dois dias, janta fora,
vai de viagem e compra os sapatos, mas faz o PPR, tem um bom seguro de saúde e
poupa para a entrada da casa. Sê, em toda a linha um consumidor responsável.
Não deixes pensamentos maus
invadirem o jardim da tua mente, mas sê consciente do mundo à tua volta, da
guerra, das alterações climáticas, da inflação galopante da pobreza encapotada.
Compra o arroz e o leite para o peditório, mas te enroles na caridadezinha.
Entretanto, neste gasto de energia, os dias passam lentos e
os anos rápido, é o paradoxo mais brutal da vida.
Publicada por Angie Mendes à(s) 10:50 da manhã 0 comentários
quarta-feira, novembro 24, 2021
Millennials...
Publicada por Angie Mendes à(s) 2:27 da tarde 0 comentários
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quarta-feira, fevereiro 03, 2021
Na hora...
Lembro-me do caminho de terra até ao monte, as ervas pelo carreiro do meio e os campos lavrados. As casas sempre modestas e inacabadas e os rostos das pessoas que já tinham longas vidas.
Lembro do curral, das ovelhas e das vacas. Do leite quente acabado de ordenhar, peganhento e coalhado, gorduroso, impossível para quem cresceu a beber o leite do Treta Pak.
As galinhas que andavam por ali desgarradas, os gatos ramelosos, o milho, as batatas doces, as couves e as melâncias no verão.
O rosto das pessoas cristalizado em memórias, como daguerreótipos, imagens pouco definidas e longínquas.
O cheiro do verão.
Memórias, o lugar das
pessoas na nossa vida, na hora da sua morte.
Qual será o nosso lugar nessa hora?
Publicada por Angie Mendes à(s) 10:18 da tarde 0 comentários
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terça-feira, fevereiro 02, 2021
Os dias...
Os dias estão maiores já se nota. As luzes espalhadas pelo caminho acendem-se ainda de dia como se estivessem mal sincronizadas. Saio e ainda se vê o caminho de terra batida, levo os olhos a esse chão, essa obra inacabada. Ora seco, ora encharcado, transformado num lamaçal. Cada buraco que não o era no dia anterior, a terra pisada, as pegadas.
Minhas ainda? Haverá mais ténis Nike 38,5 por aqui? E os rodados dos carros, dos tratores, as pegadas de animais indefinidos, que fazem todos eles por aqui? Há casas fechadas, terrenos agrícolas, sobreiros sós. As cegonhas, o burro e a horda de cães que se agita em quintais aleatórios ao som do meu passo.
Cheira a madeira no momento da queima, notas fortes como a espinha dorsal de um perfume. Cedro, pinho, terra e silêncio, tudo embrulhado na maldita humidade de um inverno que não se decide a ser frio e chuvoso e de tempestade, escolheu ser limbo.
Sempre pintaram o inferno como um sítio em chamas, não creio. O fim dos tempos será cinzento e húmido. Sem tréguas ou um raio de sol, só nós de roupa encharcada colada ao corpo, ténis sujos de lama a tremelicar de frio.
Publicada por Angie Mendes à(s) 10:15 da tarde 0 comentários
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segunda-feira, fevereiro 01, 2021
Trivialidades...
O mundo deve estar louco, acendi a luz e ando a matar melgas em fevereiro. O que me dá nos nervos os zumbidos a cortar o silêncio da madrugada, as melgas e o cão que depois de velho entrou no cio.
Nos cantos das paredes junto ao tecto cresce a olhos vistos uma mancha de humidade, uma mancha inofensiva, mas ofensiva para o meu sentido do mundo. O cinzento das paredes que nunca mais será exatamente aquele que eu escolhi, a mancha penetrando nos meus quadros.
Nada mais parece estar no lugar. Não chove, apenas vivemos envoltos neste mar de dias cinzentos, peganhentos de saturação de água no ar.
As laranjas caiem espontâneas para o chão, a roupa não enxuga e entretanto estamos em fevereiro, a pensar trivialidades. Onze meses de trivialidades. Já vi formigas no quintal, como se lida com formigas no inverno? Como se fosse normal?
E o raio da televisão que continua a vomitar tragédia, e nós cansados já não vemos números. Pensamos no que vamos almoçar amanhã, sim, fazer almoço é algo que tem de ser pensado. As compras feitas antes. Por agora já nos devíamos ter habituado a fazer um menu, acabar de vez com essa coisa da espontaneidade.
Estava a remexer nas bainhas da blusa, a puxar fios com as unhas mal limadas que os tempos não me deixam ir arranjar e estava a pensar que já passamos da vida adiada. Adiada parece que vamos partir de onde parámos e continuarmos a ser quem éramos antes dos traumas e dos cabelos brancos do último ano. Não, isto parece-se mais com um assalto, uma vida roubada. E nós de luto, sem saber ainda como a chorar.
Publicada por Angie Mendes à(s) 10:05 da tarde 0 comentários
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quarta-feira, setembro 11, 2019
Um dia de Setembro
Agarrou-nos antes da angústia de ser adulto, antes do aquecimento global passar a ser a crise climática e a angustia do tédio existencial se transformar no vazio de não sabermos o que será o mundo com mais 2ºC.
Os anos que se seguiram e que se continuam a suceder levam-nos para longe do conforto, da segurança da prosperidade.
Publicada por Angie Mendes à(s) 11:26 da manhã 0 comentários
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terça-feira, agosto 06, 2019
FMM Sines ou a procura dos Mundos
Publicada por Angie Mendes à(s) 4:51 da tarde 0 comentários
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quarta-feira, julho 03, 2019
Morreu o Avô.
A bomba já não se chama Móbil, a estrada tem semáforos, há autoestrada....O Tigre já não passa.
Existe com uma caricatura do passado, um lembrança das nossa raízes humildes, do muito que crescemos desde os tempos da terra revolta à enxada. Quando as pessoas só tinha dois nomes próprios, os nossos Avós vão para a terra com lápides resumidas.
Aqui jaz Marino José.
Publicada por Angie Mendes à(s) 10:19 da manhã 0 comentários
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segunda-feira, julho 01, 2019
...
Ontem, sentada num banco de espera de estação do Oriente, bebendo o meu sumo de laranja natural acabado de espremer para uma garrafa de plástico de uso único, observado o rebanho de pessoas indo e vindo. Muitas, mastigando, bebendo, consumindo, carregando malas, correndo ao desvario ou apenas existindo ali ao ritmo a que os comboios trepidavam nos carris... Ocorreu-me que somos mesmo capazes de estar condenados. A engrenagem não tem travão.
Todo e qualquer esforço noutro sentido é como rolar a pedra de Sísifo.
Publicada por Angie Mendes à(s) 2:24 da tarde 0 comentários
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quarta-feira, junho 05, 2019
Corpo
Corpo que encolhe, que mirra.
A marca nova no rosto, a cor mortiça
A fome, a gula, o jejum. A raiva.
Constante mutação.
Publicada por Angie Mendes à(s) 9:56 da tarde 0 comentários
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quarta-feira, julho 25, 2018
Folhas perdidas - I
Há uns anos as folhas de papel em branco passaram a ser assustadoras. O mundo passou a ser escrito em ecrãs, partilhado freneticamente e à mesma rapidez com que se lembra, tudo se esquece.
Até de nós mesmo nos esquecemos na cadência repentina dos dias, as tarefas, as obrigações, os fretes e pelo meio tudo aquilo que fazemos para nos esquecermos do miserável que é não termos qualquer controle sobre os nossos dias.
Há dias que acordo e só queria uma pequena cabana com porta que abrisse diretamente para o mar. Queria poder andar descalça e semi despida e não ouvir nada, nem ninguém. Poder ficar a sentir a rotação da terra debaixo dos pés nus, a maré em ondas mornas, os sussurros do mundo trazidos pelo vento.
Depois há os outros dias, dias em que nada me chega. Não há simplicidade nem isolamento no brilho do mundo quando somos dragados para o seu interior, para as arenas da urbanidade onde debaixo dos nossos pés calçados nada se sente, porque vivemos a levitar. As luzes, as cores e toda essa torrente de informação que nos atropela e nunca, mas nunca nos deixa tempo para a destilar, o tempo passa nessa espécie de alucinação que não nos deixar pensar só nos permite continuar sem nunca por os pés no chão, somos levados em ombros, nem sabemos para onde estamos a ir.
Publicada por Angie Mendes à(s) 9:51 da tarde 0 comentários
O sono...
Não sei descansar
não aceito o tempo perdido
esta sede... a alma em ebulição
O meu corpo não tem palavra, só grito
Nunca sofro de cansaço...
só desfaleço de exaustão.
Publicada por Angie Mendes à(s) 9:47 da tarde 0 comentários
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quinta-feira, julho 12, 2018
Dois mil dez oito, ou o voltar a casa
Publicada por Angie Mendes à(s) 11:34 da tarde 0 comentários
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