Subiu as escadas arrastando-se. As malas pesavam, o dia já ia longo.
Sentia sempre aquela sensação de cansaço ao subir até aquele segundo andar. Amaldiçoava a falta de elevador daquelas construções antigas, perdidas nas ruelas de calçada. Mas esta sensação só durava até alcançar o seu patamar, amplo e banhado por aquele vitral grande voltado a poente, iluminado de manhã à noite.
Pousou as malas no chão, procurou desajeitada pelas chaves nas malas, haviam sido tantos meses em viagem, por momentos breves quase se esqueceu que pertencia ali, que aquela era a sua casa, que tinha de voltar um dia.
Colocou a chave na porta, rodou lentamente, deu aquele jeitinho especial que a porta velha e entorpecida pedia e abriu. Uma mancha de luz foi cobrindo a sombra existente no chão, o pó levantou-se à passagem da porta, um mundo em suspenso começou de novo a viver.
Deu um passo em frente, inspirou longamente. Aquele cheiro. Na sua casa havia um cheiro único, inigualável. Uma mistura entre o seu cheiro pessoal, a cremes e perfumes, a produtos de limpeza, a incenso e a comer. Tudo coisas que tantas outras pessoas podem também usar, mas que ali, na sua combinação aleatória pessoal criavam aquele odor tão nostálgico, tão peculiar que poderia identificar como sendo a sua casa em qualquer parte do mundo.
Inspirou tão solenemente esse cheiro à entrada da porta, e reteve-se alguns segundos. O olfacto é acomodado, acostuma-se rápido e deixa de sentir.
Entrou, apressou-se a largar as malas a um canto e a abrir a janela que dá para a rua. Abriu-a de par em par, deixou entrar aquela brisa de final de tarde. Espreitou pela varanda, acenou às vizinhas que às suas janelas comentavam já: “A menina voltou.”
Olhavam-na com curiosidade, tentavam perceber no seu rosto as diferenças, na sua inocência pensavam que alguém que havia visto o mundo parceria diferente.
Não se deixou incomodar, sabia que aquelas pedras da calçada viviam disso, de pequenas conversas de esquina, de afirmações e exclamações sobre a vida alheia, de pequenas perguntas deixadas a pairar no ar. Sabia de tudo isso quando há um par de anos tinha escolhido aquele prédio antigo, pintado de cal com rodapés azuis, com janelas de sol, com tectos baixos e histórias para contar.
Tinha dado tantas voltas, tinha visto mares, montanhas, pessoas no meio do silêncio, pessoas no meio da confusão.
Tinha visto tudo, sentia.
No seu intimo tinha sentido aquela vontade enorme de partir, de ver coisas, de procurar. Achava que era do mundo, que a sua casa seria em qualquer lugar.
Passaram tantos meses, tantas camas usadas, tantas comidas diferentes, e cheiros, tantos cheiros estranhos, agradáveis, tristes, doces e amargos, tantas luzes tantos ângulos de ver o sol.
Agora, ali, com as suas mãos pousadas nos ferros forjados da sua varanda voltada a poente, a olhar o horizonte entrecortado por telhados e velhas antenas, agora que o cheiro do seu mundo já se havia diluído em si, que já não conseguia sentir aquela amálgama de odores seus, agora que já fazia de novo parte daquele universo saltitante de pequenas coisas. Sentia que poderia estar em muitos sítios, que poderia viver nas terras do sol nascente, que se poderia banhar nas águas quentes do pacífico, poderia até correr pelas ruas de uma qualquer cidade movimentada cheia de néons e barulhos.
Poderia estar onde quisesse, mas só havia um sítio onde se sentiria em casa.
Ali, na sua velha rua de calçada, a colocar a chave naquela velha porta de madeira que teimava sempre em emperrar.
Ali, naquela rua onde as pessoas comentavam a sua volta. Só ali, entre aquelas paredes que guardam para si aquela mistura de essências só suas, aquele cheiro tão natural, a comer, a perfume e creme, a incenso de baunilha, a detergente de lavar o chão e a banho acabado de tomar.
Aquela mistura tão banal de coisas que toda a gente tem em casa, mas que na sua casa, por breves instantes ao entrar se sentia, como a essência única e especial que era a sua casa.
Sentia sempre aquela sensação de cansaço ao subir até aquele segundo andar. Amaldiçoava a falta de elevador daquelas construções antigas, perdidas nas ruelas de calçada. Mas esta sensação só durava até alcançar o seu patamar, amplo e banhado por aquele vitral grande voltado a poente, iluminado de manhã à noite.
Pousou as malas no chão, procurou desajeitada pelas chaves nas malas, haviam sido tantos meses em viagem, por momentos breves quase se esqueceu que pertencia ali, que aquela era a sua casa, que tinha de voltar um dia.
Colocou a chave na porta, rodou lentamente, deu aquele jeitinho especial que a porta velha e entorpecida pedia e abriu. Uma mancha de luz foi cobrindo a sombra existente no chão, o pó levantou-se à passagem da porta, um mundo em suspenso começou de novo a viver.
Deu um passo em frente, inspirou longamente. Aquele cheiro. Na sua casa havia um cheiro único, inigualável. Uma mistura entre o seu cheiro pessoal, a cremes e perfumes, a produtos de limpeza, a incenso e a comer. Tudo coisas que tantas outras pessoas podem também usar, mas que ali, na sua combinação aleatória pessoal criavam aquele odor tão nostálgico, tão peculiar que poderia identificar como sendo a sua casa em qualquer parte do mundo.
Inspirou tão solenemente esse cheiro à entrada da porta, e reteve-se alguns segundos. O olfacto é acomodado, acostuma-se rápido e deixa de sentir.
Entrou, apressou-se a largar as malas a um canto e a abrir a janela que dá para a rua. Abriu-a de par em par, deixou entrar aquela brisa de final de tarde. Espreitou pela varanda, acenou às vizinhas que às suas janelas comentavam já: “A menina voltou.”
Olhavam-na com curiosidade, tentavam perceber no seu rosto as diferenças, na sua inocência pensavam que alguém que havia visto o mundo parceria diferente.
Não se deixou incomodar, sabia que aquelas pedras da calçada viviam disso, de pequenas conversas de esquina, de afirmações e exclamações sobre a vida alheia, de pequenas perguntas deixadas a pairar no ar. Sabia de tudo isso quando há um par de anos tinha escolhido aquele prédio antigo, pintado de cal com rodapés azuis, com janelas de sol, com tectos baixos e histórias para contar.
Tinha dado tantas voltas, tinha visto mares, montanhas, pessoas no meio do silêncio, pessoas no meio da confusão.
Tinha visto tudo, sentia.
No seu intimo tinha sentido aquela vontade enorme de partir, de ver coisas, de procurar. Achava que era do mundo, que a sua casa seria em qualquer lugar.
Passaram tantos meses, tantas camas usadas, tantas comidas diferentes, e cheiros, tantos cheiros estranhos, agradáveis, tristes, doces e amargos, tantas luzes tantos ângulos de ver o sol.
Agora, ali, com as suas mãos pousadas nos ferros forjados da sua varanda voltada a poente, a olhar o horizonte entrecortado por telhados e velhas antenas, agora que o cheiro do seu mundo já se havia diluído em si, que já não conseguia sentir aquela amálgama de odores seus, agora que já fazia de novo parte daquele universo saltitante de pequenas coisas. Sentia que poderia estar em muitos sítios, que poderia viver nas terras do sol nascente, que se poderia banhar nas águas quentes do pacífico, poderia até correr pelas ruas de uma qualquer cidade movimentada cheia de néons e barulhos.
Poderia estar onde quisesse, mas só havia um sítio onde se sentiria em casa.
Ali, na sua velha rua de calçada, a colocar a chave naquela velha porta de madeira que teimava sempre em emperrar.
Ali, naquela rua onde as pessoas comentavam a sua volta. Só ali, entre aquelas paredes que guardam para si aquela mistura de essências só suas, aquele cheiro tão natural, a comer, a perfume e creme, a incenso de baunilha, a detergente de lavar o chão e a banho acabado de tomar.
Aquela mistura tão banal de coisas que toda a gente tem em casa, mas que na sua casa, por breves instantes ao entrar se sentia, como a essência única e especial que era a sua casa.
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