sexta-feira, outubro 12, 2007


“- Não, hoje nada de bebidas, nem daquelas coisas, sabes, daquelas coisas que nos fazem sair simplesmente daqui.
Chato não é?
A realidade, assim, crua, assim despojada de qualquer artificio. Só, crua, disposta à nossa frente, pronta a mostrar-se cruelmente, prontinha a mostrar-nos que afinal, nada daquelas ilusões existe… São só imagens.
Maria, lembraste? Dos planos, sim dos planos que costumávamos fazer noite fora enquanto corríamos pelas estradas tentando evitar as poças de água?
Das coisas que eu inocente inventava, das histórias que te contava só para te impressionar? Era lindo esse teu sorriso incrédulo, esse teu ar assustado depois de uma história de vampiros.
Lembraste?
Talvez não, já lá vão tantos anos. O tempo é uma coisa fodida…
As pessoas ficam velhas, conheces alguém que depois destes anos não esteja mais gordo? Que raio, esta tendência a engordar, é assim Maria, é pelos quilos a mais nos outros que se contam os anos.
Tanto tempo passado, e eu ainda aqui a olhar para ti neste pedaço de papel inerte, velho surrado, e tu Maria?
Sempre assim, sempre teve de ser como tu quiseste, e nem tanto tempo depois deixas de te notar.
Sempre a rainha da festa, a noite sempre tua, sempre a mais bebida, sempre a pior, a melhor a ser a pior, sim, a melhor a ser a pior. O verdadeiro fascínio.
E ai aquela noite, céus desde aquela noite que não me largas, como um fantasma Maria. Porque? Sempre a afirmar a minha culpa, esta tua presença.
Não foi por mal, estávamos os dois daquela maneira, tu sabes. Sabes melhor que eu. O amigo do amigo que trouxe não sei de onde, muita maluqueira. Muita mistura, às tantas aquele nosso caminho já não era o nosso, e os pés deixaram de evitar as poças de água, e dançamos muito feitos loucos pela estrada.
Ò Maria, consigo ainda cheirar-te, sentir-te, ouço ainda a risada… Essa ultima risada, não voltaste a dar outra. Não foi minha culpa, achas que foi Maria?
Como poderia eu ver, como poderias tu adivinhar?! Que tu estavas ali, nos meus braços, pela primeira vez, tu deste-me o teu regaço, pela primeira vez dançávamos desnorteados, e cantavas e dançávamos e dávamos voltas e mais voltas e tu tropeçaste, e eu cai rebolei para a berma, mas tu não, gelaste, fascinada pelas estrelas que lá vinham, riste, achaste lindo, deixaste simplesmente que acontecesse, deixaste que ele te esmagasse, mataste-te, simplesmente mataste-te e deixaste-me aqui vivo, só para sentir a tua perda.

Tantos anos Maria, tantos fundos de copo depois. E continuas a assombrar-me…”

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