Consta que cortar e pintar de louro os longos cabelos ruivos de Rita Hayworth causou grande polémica. Mas esta foi sem dúvida uma tentativa de descolar Rita do seu papel mais marcante, Gilda, que estava ainda bem fresco na mente dos espectadores, visto que tinha saído para a rua no ano anterior.
Talvez tivesse sido uma transformação desnecessária, pouco há de Gilda nesta Elsa Bannister, porque Gilda era tresloucada e inofensiva. Apesar de sedutora e manipuladora, Gilda não passava de uma ingénua apaixonada.
A Dama de Shanghai, pelo contrário tem na sua génese a maldade, o seu génio funciona com vista a um desfecho que só a si pode interessar.
Mais uma vez, o “desgraçado” da história é acometido por uma obsessão amorosa pela figura de uma mulher. E ele sabe que essa será a sua desgraça, no entanto, e como é costume no Noir, Michael O’Hara não consegue fugir a um destino que parece já estar escrito.
Também este Michael de Orson Welles é atormentado, tal como Jeff Bailley de Robert Mitchum (Out of the Past 1947). Algo no seu passado lhes mudou percurso.
Michael O’Hara matou um homem em Espanha. È o máximo que sabemos da sua vida de marinheiro.
A quente, ao acabar de ver o filme, pensei que Orson Welles era um canastrão na arte da representação, a sua personagem expressa pouca emoção, existe um negrume, uma quase ausência em Michael O’Hara. Mas talvez esse seja um julgamento injusto, a sua personagem é inessencialmente um enigma.
E é essa ausência que lhe confere essa áurea estranha de explicar.
Todo o filme é um mistério, porque as suas personagens são desconhecidas.
Sabemos para onde vão, mas desconhecemos ao certo de onde vêem.
Mais uma vez o mal é representado no feminino. Elsa não estará ao nível de uma Phyllis Dietrichson (Double Indemnity), mas continua a ser uma vilã que terá de enfrentar o seu castigo.
È interessante estudar o papel feminino nos filmes Noir e lê-los à luz da sociedade da altura. Tanto Elsa como Phylllis direccionam a sua maldade na procura da liberdade. Esperam livrar-se das respectivas relações com homens que as oprimem e de algum modo as tratam como parte da mobília.
O seu erro acaba sempre por ser a sua ganância. Elas desejam ser livres, mas não o concebem sê-lo sem dinheiro mesmo que isso signifique ingressar num plano que põe em causa a sua própria vida.
A cena final na casa dos espelhos, é umas das cenas mais bem conseguidas que vi no cinema. Porque a metáfora dos espelhos reflecte mais que simples imagens. Numa experiencia visual surrealista as forças combatem-se, é como na parábola que Michael conta aos seus anfitriões, os tubarões acabam por se comer a si próprios.
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P.S. Dei por mim a pensar, qual será a melhor década do cinema?
Não sei, mas parece que a melhor década do cinema Noir só pode ter sido a década de 40. Numa vista de olhos pelos filmes que tenho visto, todos se encaixam entre 1941 e 1948. O bom que deve ter sido ir ao cinema nessa altura!
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