Vivemos por entre os dias que passam, as notícias que o televisor debita, o calor que teima em não nos deixar, como que um prenuncio da estranheza que nos espera.
Viver em épocas de turbulência implica esta ambiguidade de sentimentos, sabemos que vivemos história, mas queríamos todos estar noutra década qualquer.
Que devem ter pensado os desgraçados que assistiram ao mundo em guerra no final dos anos trinta do século passado, ou os outros antes deles com o crash de 29?
Pensaram que iam perder o pouco que tinham. Ter pouco é ter pouco para perder.
Mas nós crescemos nesta largura de horizontes, neste mundo de possibilidades. Vimos o que há para lá das cortinas, sabemos, que a pobreza, principalmente a de espírito, não é aceitável.
Temos quase tudo e, por consequente, tudo para perder.
As nossas vidas tornaram-se pesadas, asfixiadas nos papeis que nos caem na caixa do correio ao final do mês. A renda, a luz, a Internet, o IM, o telemóvel, o IRS, o seguro do carro, o supermercado, uma perseguição sem fim.
Se antes podíamos arrumar a trouxa e dar o salto, agora estamos presos com ancoras à vida que montámos, a esta era da abundância que agora se está a tornar tão escassa.
Adivinha-se dias difíceis, semblantes pesados pelas ruas. Lojas onde os donos passam os dias por pura resistência, empresas que se esvaem por entre os dedos de quem as montou, casas outrora felizes agora envergonhadas pela adversidade.
Não será o pior momento da história. Será apenas aquele que para nós, filhos absolutos do capitalismo, mais difícil será de ultrapassar.
Apreender a viver com pouco é a dificuldade. O caminho inverso é sempre mais fácil.
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