domingo, fevereiro 25, 2007

Não feliz...

Pensou. O que o tempo havia feito de si… Olhou no espelho, deixou cair o roupão suavemente pelos ombros até que a sua nudez fosse completa, crua, simples. Olhou, o rosto estava cansado, baço. Os seios descaídos, as ancas largas. Tudo em si perdera brilho, como se fosse uma flor secando na jarra. Continuava bonita, igual a si, mas sem vida, sem a luz vibrante de outros tempos, sem a aquela sensação extenuante de possibilidade de antes, o tempo passara. Continuou a olhar-se no espelho, de modo simples, inocente. Tocou-se, sentiu um arrepio juvenil, pensou: o que havia feito de si?
Aquelas teorias sobejamente debatidas, as suas ideias de felicidade, da não felicidade, dos momentos intermitentes, aquelas ideias que a justificavam, apenas e só. O sustento da sua vida, as ideias que a faziam prostra-se em frente a um espelho, olhando-se como se estivesse morta, secando já, irreconhecível.
Lembra-se de ter criado a teoria da estabilidade, de dizer que não era feliz porque isso não era possível, para si a felicidade era apenas um conceito, era como uma forte trovada . Passava por todos nós em vários momentos da vida mas não ficava, ninguém é feliz todo o tempo, pensava. Até o que diz ser feliz se entristece e sente num momento especifico uma sensação, como uma onda vibrante que lhe sobe pelo corpo, uma sensação quase física de felicidade. Sensação extenuante, momentânea, felicidade.
Dizia para si que não era triste, era simplesmente uma não feliz. Era estável!
Mas agora ali, aquela imagem que o espelho lhe devolvia, os dias passados, a sensação de possibilidade acabada sobrava-lhe apenas ela, só. Com olhos cansados e um corpo envelhecido. Sobrava-lhe apenas a sua não felicidade, a sua não procura, o seu não arriscar, sobrava-lhe apenas a certeza que não era uma não feliz...
Continuou a olhar-se, sentiu o vento primaveril que se levantou, começa a entardecer, o sol baixava, as sombras emergiam agora pelo quarto, pela imagem reflectida de si.
Recuou, sentou-se na cama, continuou a ver-se, sentiu os cabelos ondularem pelo seu pescoço, sentiu um prazer inocente nisso.
Sentiu que todo o mundo se comportava lá fora de maneira a dizer-lhe que corresse pelos campos afora, assim mesmo, nua, cansada, baça... O mundo dizia-lhe que deixasse de ser uma não feliz, dizia-lhe ao ouvido, num sussurro delicado.
“Sim, corre… corre, é verdade, existe sim, existe a felicidade”.

3 comentários:

Rodrigo Maceira disse...

Nossas apostas estão no mundo :) Ele há de nos recompensar por tanta generosidade.

Sininho disse...

Adorei amiga...
Está lindo...
Beijos cheios de saudades

Gaspar Garção disse...

Só para dizer que passei por cá, já li a tua 1ª história, gostei muito, muito bem escrita e com uma poesia melancólica...
Beijinhos!