quinta-feira, março 22, 2007

Uma reinvenção de um texto anterior, desta vez pela necessidade de lhe acrescentar núcleos narrativos. As coisas que aprendemos na escola! E o trabalho que isto dá a fazer! Divagar e não dizer nada em concreto apresenta-se como uma tarefa bem mais simples....
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Saiu era já tarde. Disse boa noite ao porteiro e afastou-se do edifício com dificuldade, chovia e estava realmente muito vento.
Hoje Helena sentia-se realmente perturbada, exausta. Ainda não tinha conseguido perceber o porque de se sentir assim. O certo é que havia sido um dia difícil cheia de constantes mal entendidos com os seus colegas de trabalho e problemas de difícil resolução. Helena era uma mulher prática, apesar de na maior parte das vezes parecer viver noutro mundo, detestava conversas de escritório sobre o trabalho e a vida dos outros, no fundo, apesar da sua posição era uma inadaptada naquele ambiente. Não teria sido aquela a sua escolha de vida, mas o rumo natural dos acontecimentos, a sua inabilidade para enfrentar situações desconfortáveis ou para tomar decisões difíceis levaram-na a seguir os sonhos dos seus país, e ali estava ela, advogada seguindo as pisadas do avó, sendo o orgulho dos outros, sendo ao mesmo tempo infeliz com o que fazia.
Dirigia-se ao carro, procurava atrapalhada pelas chaves que haviam de estar algures dentro da mala, lutava consigo mesmo para não deixar cair a papelada que carregava, para o chão. A rua estava deserta. Apercebeu-se do tarde que era, pensou que não tinha jantado.
Viu a sua colega Maria que também se dirigia para o carro, saiu depois de si, mas Maria era mais ágil e dinâmica, Maria tinha por que ir para casa.
-Até amanha Helena! Despacha-te mulher que está um grande temporal! Espera que eu ajudo-te, passa-me a pasta para procurares essas chaves! – Disse Maria chegando perto do carro de Helena.
Helena agradeceu, e Maria continuou a falar com o seu ar despachado.
- Já vistes a horas que são, mal tenho tempo de ver os miúdos antes deles se irem deitar. E o Júlio já anda a ficar chateado com estes atrasos. Temos de acabar com estas reuniões tardias, ainda por cima quando elas só acontecem por falta de profissionalismos de terceiros.
Maria teria ficado ali a debitar frases sobre o atrasada que estava, e o chateada que estava com o resultado da reunião não fosse Helena ter finalmente encontrado as chaves.
-Obrigada Maria por me segurares a pasta, ficava a conversa contigo, mas temos de nos abrigar, está a começar a chover mais forte. Disse Helena despedindo-se e entrando para o carro. A amiga afastou-se ainda balbuciando sobre a reunião e depressa desapareceu no escuro da noite.
Helena ficou só, ligou o carro, depois as luzes e logo de seguida os limpa-para brisas. A noite fechava-se, Helena iniciou então a viagem. Avançou devagar pela noite, sentia-se exausta. Ia ainda a pensar na sua amiga Maria e na sua vida agitada, no seu par de filhos e no seu marido sempre atencioso. Viu de novo as horas, pensou em jantar e ai viu claramente a sua chegada a casa. Aquela sua casa de sempre, vazia.
Ninguém a esperaria para jantar, ninguém lhe abriria a porta, e no seu prédio antigo ninguém apareceria para lhe segurar a pasta até encontrar de novo as chaves perdidas na mala. Já se via com o seu ar desajeitado e desgrenhado pelo temporal em frente à sua porta, a resolver a mala, a perder as folhas de papel e a implorar por um pouco de descanso para si.
Continuava a viagem lentamente, parou agora num sinal vermelho. Não lhe apetecia seguir para casa, nem para lado nenhum em especial. Não sabia o que haveria de fazer consigo.
Assim ficou até que o carro que estava atrás de si apitou nervosamente. Tinha de decidir por onde ir, continuava a chover, não queria ir para casa sozinha, não tinha mais para onde ir. Encostou o carro no primeiro sitio que encontrou e deixou-se ficar. Ficou a remoer o seu penoso dia, os últimos anos, ficou a tentar perceber o que tinha deixado para trás e onde. Hoje sentia-se triste, apetecia-lhe ser outra pessoa qualquer.
No meio da sua distracção enquanto vagueava por aquele mundo que construíra só para si, algo de estranho se passava lá fora, um silêncio diferente do comum envolvia a noite.
Ao fundo junto ao poste da luz um casal debatia algo calorosamente, mas ao mesmo tempo de um modo suspeito. Deteve-se naquela imagem por segundos. O que discutiriam duas pessoas à aquelas horas no meio do temporal?
Porque pareciam tão estranhos? – Perguntou-se.
O certo é que não conseguiu desprender-se daquela esquina. Deixou-se da sua melancolia, foi como se entrasse na vida dos outros. Abriu até um pouco a janela na tentativa de ouvir alguma palavra solta trazida pelo vento, conseguiu perceber que a conversa inicial azedava, que neste momento estava já a ficar feia.
Foi nesse momento que apareceu um terceiro elemento que os deixou petrificados.
De concorrentes acessos na conversa anterior passaram a falar em sintonia.
Mas o outro homem parecia inflexível, nervoso, e mesmo antes que Helena pudesse sequer reflectir sobre o que estava a ver o homem caiu redondo no chão tomado pelo que lhe havia parecido um tiro. Fora um som abafado, não tinha a certeza, mas a única reacção de Helena foi esconder-se, baixar-se o mais possível no seu banco e tentar não ser vista.
Conseguiu perceber que fora apenas um tiro, e que de seguida houve um grito feminino abafado, mas poucos segundos depois a rua estava de novo deserta, apenas se ouvia a chuva e os carros apressados do outro lado.
Tomou coragem e espreitou pela janela, Helena viu o corpo abandonado no chão, abriu a porta e correu até ele, tomou-lhe o pulso, nada mais havia a fazer.
Sentiu então uma revolta enorme. Não percebera o que se havia passado ali.
Estava ela a lamentar a sua triste vida de solitária, ela a ver-se na sua atrapalhação enquanto isso aquele pobre homem morria e sabe-se lá qual seria o destino daquela mulher.
Voltou ao carro e telefonou para o 112 a dar conhecimento do que se havia passado.
Voltou para junto do corpo e ali ficou observando o rosto ainda jovem e ainda com traços de vida.
Como aquilo poderia ter acontecido na sua frente? Pensou. “Como não pode eu fazer nada!”
Conhecia bem o sistema judicial, e nesse momento percebeu que aquele havia de ser só mais um crime indesvendável para cobrir as páginas de jornal.
Ai percebeu que o acaso a havia levado ali por qualquer motivo, e esse motivo era salvar a mulher que havia sido levada, era fazer justiça aquele homem.
Não sabia os motivos que levaram àquela morte. Mas para ela ninguém por pior que fosse merecia morrer.
Helena ficou ali sentada, junto ao corpo, encharcada pela chuva da noite esperando pela chegada das autoridades.
Dentro da sua cabeça foi-se desenhando um mundo de coisas e de possibilidades.
Helena percebeu que estava naquele sítio naquela hora para ver aquilo.


Depois de toda a confusão, interrogatórios, policia, jornalista e afins, voltou para sua casa.
Ia encharcada, meteu-se na banheira e ficou dentro da água quente durante um longo tempo.
Ai pensou, e pensou, não conseguia perceber tudo aquilo.
A misteriosa mulher não havia ainda aparecido, ainda não se haviam encontrado razões para o acontecido.
Matutou naquilo, revolveu a sua mente, sentia-se ligada àquilo, sentia uma necessidade de respostas, de explicações.
Deitou-se ainda a pensar no sucedido.
Levantou-se com aquela sensação de que não dormira.
Tomou o pequeno-almoço apaticamente enquanto lia os jornais.
O crime era manchete. Sentiu ainda mais sede de desvendar o mistério.
Decidiu ali que iria pesquisar, só por curiosidade, tentar saber quem eram os protagonistas.
Sentiu um formigueiro pelo corpo, sentiu-se excitada com a possibilidade de se meter em algo perigoso.
...

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