Para mim existem dois tipos de razão para ver um filme. Uma tem a ver com o descanso da mente. Para cumprir esta função qualquer filme serve, desde que com alguma graça e beleza visual. É o que nos acontece no domingo à tarde quando o cerebro quer vegetar em frente ao ecrã, não vendo, não pensado, apenas descansado numa história qualquer, uma simples distracção. Nesses momentos qualquer filme de teenagers da Disney nos enche as medidas, nos descansa a alma e serve para gastar tempo enquanto não passa a sonolência das noites mal dormidas ou a sensação desgastante da ressaca.
A outra razão é mais nobre. Porque a vida é escassa nas suas possibilidades e estática enquanto realidade, fazemos as nossas escolhas e vivemos sabendo que poderíamos ter sido qualquer outra coisa se em vez de sim, tivéssemos dito não ou se em vez da esquerda tivéssemos cortado para a direita.
O cinema, assim como a literatura, permitem-nos sentir coisas diferentes, viver sentimentos que não apareceram nunca nas nossas existências. Colocam-nos escolhas hipotéticas perante as quais nunca sentiremos a angustia de decidir. Permitem-nos descansar de nós mesmo e projectar-nos numa vida paralela, viver intensamente aquilo que sabemos ser ficção preparando-nos para o que pode ainda vir.
Por isso um bom filme, apesar de todas as condicionantes estéticas, continua a ser um bom argumento. Uma história que seja poderosa, que nos confronte e que nos faça duvidar da nossa posição se fossemos aquela personagem.
Os filmes mais antigos contém essa crueza nos argumentos, esses enigmas de consciência. Não se pede às personagens que salvem ninguém de explosões impossíveis e que se escapem por milímetros à catástrofe, pede-se apenas que mudem o seu pequeno mundo através de um exame de consciência.
Quase sempre as consequências são pesadas, as decisões ambíguas e os resultados nobres. Ou talvez não...
Vale a pena ver um Marlon Brando meio James Dean, quase Padrinho. Estão lá os gestos e os tiques numa cara bonita e muito mais jovem de rebelde do inicio dos anos 50. Talvez seja só a personagem, mas parece-me que deve ter sido um homem temperamental.
Elia Kazan levou o Óscar de melhor realizador para casa, foi um dos 8 Óscares que o filme conquistou. Diz-se que metade da audiência na cerimónia de entrega bateu palmas e a outra assobiou quando este foi receber a estatueta dourada.
Para muitos o argumento deste filme foi uma espécie de expiação para o papel de delator que o realizador teve na época da caça às bruxa que varreu Hollywood no final de década de 40.
Tenha sido ou não esse o seu propósito, Há lodo no Cais é sem dúvida uma obra ímpar.
* uma das poucas traduções para português do título de um filme que foi feliz e até poética!
terça-feira, março 09, 2010
Há lodo no cais (1954)*
Publicada por Angie Mendes à(s) 12:22 da tarde
Etiquetas: Filmes
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