terça-feira, setembro 04, 2012

Divagações sobre o Tempo IV



Era meio da manhã, o sol era quente mas não impiedoso. Era já Setembro e a brisa refrescara trazendo prenúncios de um Outono ainda distante.

Encostavam-se todos ao balcão de mármore branco, encardido pelo tempo e pelos copos de tinto.
O salão era amplo. Nunca teria sido bonito, mas sim o possível de se fazer. O gosto duvidoso da mistura de azulejos de fim de linha, a magistral lareira reinando sobre a sala, trono que os actuais Lcd’s queriam roubar, a cor ocre das paredes, os alumínios usados das janelas.

As cadeiras e mesas de café em ferro, de pés mancos sempre a entornarem os copos a quem se atreve a colocar os cotovelos em cima do tampo.
Todo esse cenário envolto numa névoa do tempo e fumo só perceptível depois de se entrar pela cortina de fitas.

Tudo parou ali.

Os homens sorvem o café com um cheirinho, sorriem abertamente num triste cenário de dentes podres e tabaco e as senhoras, oscilam o seu peso pelas cadeiras no ócio da manhã.

O trânsito lá fora é irregular, as casas dispersas, o mundo ritmado pelo som das notícias na televisão.

Os campos estão vazios, os tractores encostados, as festas de Agosto acabadas, os emigrantes retornados para longe.

Nada mais a fazer.

No ócio do tempo, no aborrecimento da existência, nesse tédio de coisas que não se tem para fazer se perderiam todos por ali. Deitando conversa fora, falando de um mundo conhecido pelo telejornal, dizendo lugares comuns. Falariam depois da vida dos outros, queixaram-se da sua própria vida até que o sol do meio-dia os chamasse para um desejado almoço.

Esse cenário, num ápice aparecendo aos olhos dos forasteiros. Aqueles que encostam no tasco à beira da estrada para um café salvador do marasmo da condução por estradas secundárias feitas de pisos novos e vazias. Daquelas que atravessam grandes extensões de mata, quilómetros e quilómetros de solidão.

Essas estradas que nos levam de uma região para outras, onde pequenos pormenores na vegetação ou nos hábitos das pessoas nos dizem que não estamos mais onde estávamos.

Pensou de repente em todos esses sítios desconhecidos, perdidos no mapa. Em todas essas pessoas cuja voz nunca se ouve, nem mundo profundo onde as leis dos Homens são diferentes, onde as mulheres se eclipsam antes dos trinta.

Fez-se silêncio à sua entrada. Pediu um café em voz baixa que pareceu ecoar pelos recantos do salão em ondas de choque abissais. As cabeças voltaram-se num silêncio profundo. Observaram o elemento estranho a si. Os calções indecentes, a figura esguia e o esgar de espanto por estar tanta gente naquele sitio e depois, como que por ordem divina, todos voltaram à sua vida habitual ignorando o forasteiro. Falando alto, bebendo, rindo de algo sem piada, simplificando a vida, vivendo-a ao segundo. 

Segundos que se transformam em minutos e depois horas, que todas juntas farão dias. Dias que serão anos sem significado, passados no mesmo balcão de mármore que estará apenas mais encardido da próxima vez que lá se parar.

Sem comentários: