Só mais um dia, sentado no degrau
da porta da rua. Olhando quem passa enfiado naquela camisola de cavas, larga e
desbotada e naqueles calções estampados.
Mais um dia acenando aos gatos,
entretendo o tempo olhando as nuvens, cobiçando as mulheres que passam devagar,
temendo escorregar nas pedras da calçada.
Mais um dia. Naquela casa sem
janela, naquela rua íngreme, fazendo tempo entre o pequeno-almoço e o meio-dia.
Perdera já a capacidade de
inventar maneiras de matar o tempo. Todas as paredes haviam já sido pintadas, a
soleira da porta arranjada, o lustro puxado aos azulejos do chão.
Nada mais havia para fazer a não
ser sentar-se ali, no degrau. Cuspir de vez em quando um pedaço de tabaco preso
no lábio, falar sobre o que vem no jornal com um vizinho que eventualmente
espreite à janela a meio da manhã.
Nada mais que observar o tédio
dos dias.
Tivera um trabalho em tempos.
Levantava-se de manhã cedo. Saia com o almoço, sentia-se cansado. Às vezes
sentia-se mal pago, desejava o descanso e o conforto do lar.
Mal dizia o patrão, as dores nas
costas, o tempo perdido nessa prisão.
Hoje nada mais tem a fazer que
sentar-se no degrau pela manhã.
Não dorme até mais tarde. Não
aproveita a liberdade do ócio, resigna-se à pobreza dos dias.
Vê o tempo a passar, do seu
degrau. Quer o mundo mudado, mas mais não consegue fazer para o mudar.
E fica ali, nesse movimento perpétuo,
na sua camisola de cavas desbotada, como Sisifo, empurrando a sua pedra...
arrastando-se de dentro para fora, de fora para dentro, vivendo resignadamente
uma situação que não muda. Nem imaginando que poderia eventualmente mudar...
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