terça-feira, setembro 18, 2012

Divagações sobre o Tempo VI



Só mais um dia, sentado no degrau da porta da rua. Olhando quem passa enfiado naquela camisola de cavas, larga e desbotada e naqueles calções estampados.

Mais um dia acenando aos gatos, entretendo o tempo olhando as nuvens, cobiçando as mulheres que passam devagar, temendo escorregar nas pedras da calçada.

Mais um dia. Naquela casa sem janela, naquela rua íngreme, fazendo tempo entre o pequeno-almoço e o meio-dia.

Perdera já a capacidade de inventar maneiras de matar o tempo. Todas as paredes haviam já sido pintadas, a soleira da porta arranjada, o lustro puxado aos azulejos do chão.

Nada mais havia para fazer a não ser sentar-se ali, no degrau. Cuspir de vez em quando um pedaço de tabaco preso no lábio, falar sobre o que vem no jornal com um vizinho que eventualmente espreite à janela a meio da manhã.

Nada mais que observar o tédio dos dias.

Tivera um trabalho em tempos. Levantava-se de manhã cedo. Saia com o almoço, sentia-se cansado. Às vezes sentia-se mal pago, desejava o descanso e o conforto do lar.

Mal dizia o patrão, as dores nas costas, o tempo perdido nessa prisão.

Hoje nada mais tem a fazer que sentar-se no degrau pela manhã.

Não dorme até mais tarde. Não aproveita  a liberdade do ócio, resigna-se à pobreza dos dias.

Vê o tempo a passar, do seu degrau. Quer o mundo mudado, mas mais não consegue fazer para o mudar.

E fica ali, nesse movimento perpétuo, na sua camisola de cavas desbotada, como Sisifo, empurrando a sua pedra... arrastando-se de dentro para fora, de fora para dentro, vivendo resignadamente uma situação que não muda. Nem imaginando que poderia eventualmente mudar...

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