segunda-feira, outubro 29, 2012

Divagações sobre o Amor I


"O raciocínio de Leroy é seco como uma lâmina, e Chantal está de acordo: o amor, enquanto exaltação de dois indivíduos,  o amor como fidelidade, apego apaixonado a uma só pessoa, isso não existe. E se existe, é apenas como autopunição, cegueira voluntária, fuga para um convento. Pensa que, mesmo que exista, o amor não deve existir, e esta ideia não a torna amarga; antes pelo contrário, sente uma felicidade que se espalha por todo o corpo."

A Identidade
Milan, K.

sábado, outubro 20, 2012

O tempo




"O tempo tudo consome
Não tenho nada em meu nome..."

007 - O fascinio



Lembro-me de no inicio da adolescência passar longas tardes de fim-de-semana a ver filmes da saga 007. Lembro-me de os ver vezes sem conta, em sessões da tarde repetidas ano após ano pelo recém aberto canal privado, a SIC.

Lembro-me que pouco mais havia para fazer.

Lembro-me de brincar com uma prima aos espiões, de fazermos documentos fingidos em que eu sempre me chamava Tantiana Romanova uma personagem do From Russia With Love.

Lembro-me de sempre me lembrar destes filmes. De serem parte do meu imaginário cinematográfico, do Bond ser o meu galã, muitos antes do cinema Noir e do Bogart não deixar espaço para ninguém (desculpa lá Robert Mitchum).

Tenho e li o Casino Royal do Ian Fleming. Discutimos entre amigos sobe a melhor musica, o melhor actor e vamos desmontando 5 décadas de fascínio.


Não será o melhor que o cinema fez, mas será talvez o fascínio mais prolongado, aquele que superou as mudanças de protagonista, as evoluções tecnológicas, o maravilhoso mundo novo.


Talvez porque 007 sempre foi à frente do seu tempo. Sempre nos mostrou possibilidades. E depois, quem não gosta de um vilão dúbio, que é bom mas mau. Que ama e que mata, que usa e seduz, mas que no fim salva sempre o mundo?


Bond, James Bond, foi tudo em 5 décadas, só não poderia ser um herói do Noir.

Porque não há um Homme Fatal

Ou terá sido ele enganado por uma Femme Falale no Casino Royal?




terça-feira, outubro 16, 2012

Divagações sobre o Tempo VIII


"Este «E assim passa o tempo.» é uma frase fundamental. O problema deles é o tempo, fazer com que o tempo passe, que passe por si mesmo, sozinho, sem esforço da parte deles, sem serem obrigados a atravessá-lo, quais caminhantes esgotados, e é por essa razão que ela fala, porque as palavras que debita fazem o tempo mexer-se discretamente, ao passo que quando tem a boca fechada o tempo imobiliza-se, como uma espécie de enorme e pesada escuridão (...)"

A Identidade
Kundera, Milan

domingo, outubro 14, 2012

O elogio da preguiça.


Saber nada fazer é uma arte.
Sentar e descontrair. Desligar. Deixar de pensar no trabalho que nos espera, evitar o sentimento de culpa pela inactividade.
Sentir de bom grado o metabolismo a abrandar.
Preguiçar é uma arte.

É uma arte desligar a parte de nós que pensa, que se preocupa.
Apreciar o filme idiota de domingo, refastelar no sofá até que nos doam as costas.

É uma arte, que ainda estou a aprender a dominar...


domingo, outubro 07, 2012

Anatomia de uma prova

Nunca se está realmente pronto para partir. Pelo menos eu nunca estou. Ou não fui à casa de banho, ou ainda estou a abrir a boca com sono - levantar às 6h da manhã não é o meu forte - ou o pequeno almoço não caiu bem, o que seja, são sempre tensos os minutos em que se está parado, no meio da multidão que se aperta à espera de ouvir o tiro de partida.

Partir do meio da cidade tem, num entanto uma sabor doce. Correr pelas estradas onde voam carros durante a semana, gozar a largura das Avenidas, sentir o pulsar lento das ruas num domingo de manhã e tudo isto correndo, por entre esforço, choques de adrenalina e um prazer imenso - daquele que sente quem gosta realmente de correr - é de facto bom!

Os primeiros quilómetros, apesar da prática e da sabedoria popular nos dizer que devemos partir com calma, são sempre feitos acima do que deviam. Porque se está fresco, porque o plutão saiu desembestado pelas avenidas e porque nos sentimos bem e somos capazes. As fachadas de uma cidade estranha passam por nós como casas familiares, o público grita, eu não os percebo - ainda hoje não os percebo, raios leio o El Pais, mas congelo quando um espanhol abre a boca - mas é bom, animo falado, espectáculo mais bonito.

Normalmente desestabilizo no 3º quilometro e levo mais dois a voltar a encontrar ritmo. Baixo a velocidade, há um ligeiro descontrolo respiratório e depois se tudo correr bem vou recuperando até uma zona de conforto. É nessas alturas que surgem os primeiros pensamentos obscuros, aqueles que nos minam por dentro e que transformam qualquer dor menor num suplicio. Se a voz diz que não vamos conseguir é ai que temos de deixar de a ouvir.

Normalmente corro sozinha nas provas, mas hoje tive companhia de um dos Lobos ACP. O que foi bom, foi motivador, é mais fácil desistir ou afrouxar o esforço quando se vai sozinho, com alguém que nos marca o ritmo é sempre melhor e hoje fez toda a diferença.

Perto do 7ºkms ia cheia de dores nos joelhos, articulações e cheia de calor. Felizmente a organização deu-nos água, muita água e eu tomei vários banhos pelo caminho.

Sair de Badajoz em direcção a Elvas é algo ingrato. Após as largas avenidas dos arredores da cidade entramos na antiga estrada nacional. E embora não seja muito pronunciado, vamos a maior parte do tempo a subir. Subir e subir não é o sonho de quem corre e nota-se nos tempos que se foi fazendo.

O pequeno almoço fez questão de dizer que existia causando algum desconforto, e os joelhos a queixarem-se de tanto alcatrão. E o sol quente no rosto, a aridez dos campos e os quilómetros todos que ainda haviam para fazer iam mexendo com a psique, mais pensamentos obscuros, mais um daqueles - não sei bem se vou conseguir, se ninguém estivesse a ver encostava já aqui, o típico mas porque é que eu me meto nestas coisas?! - enfim, uma série de sentimentos que têm de ser contrariados passada após passada, e com uma grande dose de teimosia. Vais conseguir pois!

Passar o 10º quilometro a roçar os 50 minutos foi motivador, deu-nos esperança de conseguir baixar o meu tempo da meia para 1h50m,  e por isso manteve-se o ritmo.

Vê-se a maior parte do tempo Elvas ao longe, no cimo do seu monte. É reconfortante e ao mesmo tempo um desespero, a meta está tão perto, mas tão longe ainda . Depois dos 10 kms, a sensação é de contagem decrescente, sente-se "que agora já falta correr menos do que corri até aqui" e para mim é sempre ponto de viragem, porque 10 kms é uma distância confortável para mim, a partir dai é que vamos ver onde está a força de vontade, a capacidade de correr e os treinos que se tem feito.

Não foi fácil, só aos 18kms tive a certeza que ia acabar. Mesmo vendo aquela subida desgastante pela frente, mesmo com o calor e as dores e um ligeiro arrastar de pés. Foi aos 18kms que eu pensei - já cheguei aqui, agora nem que vá de gatas!.

A prova foi mais dura do que eu esperava bem mais desgastante do que a meia-maratona de Mérida que havia feito em Março passado. Desisti da 1h50m ao avistar a subida da entrada de Elvas, que foi feita a custo, sempre a correr, mas a sofrer admito.

Por tudo isso ao avistar o estádio e o pórtico da meta, foi como renascer. Porque se sente ali que o objectivo está cumprido, porque se antevê a chegada, porque o nosso corpo começa a encher-se de sentimentos bons e todas as dores e agruras passam para segundo plano.
Estica-se o passo, sorri-se para a fotografia e chega-se com a certeza que ganhamos - mais que não seja, o nosso desafio!