quarta-feira, abril 10, 2013

"Começar a pensar é começar a ser atormentado" Camus, A.



Quando era adolescente achava que era de esquerda. Ser adolescente no virar do milénio era isso.
Ser-se despreocupado, muito liberal e intrinsecamente livre. Se eles defendiam o aborto, a despenalização das drogas e outros assuntos fracturantes da sociedade era com eles que estávamos  porque nada mais havia para defender.

No interior das nossas casas de classe média a vida prosperava e dava para os gastos, o futuro estava traçado numa qualquer universidade, bastava-nos fazer a nossa parte. Podíamos então ser rebeldes sem causa, apolíticos, amorais e despreocupados. As discussões de mesa de café poderiam ser sobre tudo, sobre futuro, o ultimo concerto unplugged da MTV, ou aquele filme ou a festa de logo à noite. Nunca, jamais sobe essa questão de fundo: "Quem somos nós, que fazemos aqui, que país é este onde vivo?"

Filhos dos que viveram a revolução de Abril, calhou-nos a sina de ser a geração dos acomodados, sem ideais nem ideologias.

Crescemos ao mesmo tempo que a web evoluía, que os telemóveis vieram para ficar, nesse novo mundo em que a informação está à distância de um clique, nesse mundo onde tudo é acessível, escolhemos não nos preocupar.

Quando passamos de adolescentes para jovens universitários era suposto termos começado a pensar. Observar o mundo.

Mas o admirável mundo académico não mais foi que um convite à boémia e à aprendizagem acrítica de uma qualquer ciência.

Devíamos estar a falar do mundo nas meses de café, mas como poderíamos falar de um mundo que não conhecíamos? Tivemos quatro anos para viver de forma livre. Para acabar as cadeiras em serviços mínimos nas sucessivas épocas de exames, para gastar os trocos em minis e esperar que não nos chumbassem por faltas.

Alguns de nós líamos livros ou víamos filmes pelas madrugadas de copos, aprendemos coisas.

Li Milan Kundera e ele falou da Primavera de Praga e a esquerda deixou de ser livre para mim. Como li Philip Rooth a imaginar a América sob uma conspiração de direita, e a direita não poderia nunca ser atractiva para mim. Li Orwell e qualquer sistema que limitasse a liberdade dos cidadãos era o fim, li Garcia Márquez e nas suas histórias a  inquietude de uma América do sul que não se conseguia encontrar no meio de ditaduras e golpes de estado e as guerras pelo poder tornaram-se impensáveis para mim. Li Camus, o absurdo da vida que explicava tudo isso…

Conhecia assim um mundo romanceado dos sistemas. A minha geração não leu manifestos, não sabe o que disseram os filósofos,  espera única e simplesmente que  vida flua como um rio, desresponsabilizando-os dos estragos da corrente.

Chegamos ao dia de hoje neste impasse, a não compreensão do mundo que nos rodeia. Porque estamos nós a viver esta crise?

Quem é a direita, quem é a esquerda? Que sentido fazem hoje sistemas políticos herdados de um mundo pós-revolução industrial? Renovados no pós-guerra? Que sentido fazem, estas definições, baseadas na organização do trabalho, quando o paradigma de trabalho mudou tanto, ao ponto de ser irreconhecível?

Ainda assim, deveríamos saber quem é quem. Porque é desesperante não saber de que lado estar, em quem acreditar, que teoria defender.

Hoje, jovens adultos somos inertes, porque sofremos de iliteracia politica crónica.  Porque não nos preocupamos, porque não fomos educados para nos preocupar, porque o mundo contemporâneo criou-nos esta sensação de liberdade falsa, uma sensação que não incluía deveres. Apenas direitos.

Hoje já não sou de esquerda. Mas não sei que possa ser. Não acreditando numa organização politica que considero desenquadrada, nem numa democracia desajustada retrograda e ultrapassada que posso fazer eu?

Continuar a viver e a votar no mal menor? Aceitar que não percebo o que ouço, que há coisas no mundo da política que simplesmente não têm explicação? Estão no limiar do absurdo…

Mais desesperante do que acreditar no lado errado...é mesmo não ter no que acreditar.



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