Quando era adolescente achava que era de
esquerda. Ser adolescente no virar do milénio era isso.
Ser-se
despreocupado, muito liberal e intrinsecamente livre. Se eles
defendiam o aborto, a despenalização das drogas e outros assuntos fracturantes
da sociedade era com eles que estávamos porque nada mais havia para
defender.
No interior das
nossas casas de classe média a vida prosperava e dava para os gastos, o futuro
estava traçado numa qualquer universidade, bastava-nos fazer a nossa
parte. Podíamos então ser rebeldes sem causa, apolíticos, amorais e
despreocupados. As discussões de mesa de café poderiam ser sobre tudo, sobre futuro,
o ultimo concerto unplugged da MTV, ou aquele filme ou a festa de logo à noite.
Nunca, jamais sobe essa questão de fundo: "Quem somos nós, que fazemos
aqui, que país é este onde vivo?"
Filhos dos que
viveram a revolução de Abril, calhou-nos a sina de ser a geração dos
acomodados, sem ideais nem ideologias.
Crescemos ao mesmo
tempo que a web evoluía, que os telemóveis vieram para ficar, nesse novo
mundo em que a informação está à distância de um clique, nesse mundo onde tudo
é acessível, escolhemos não nos preocupar.
Quando passamos de
adolescentes para jovens universitários era suposto termos começado a pensar.
Observar o mundo.
Mas o admirável
mundo académico não mais foi que um convite à boémia e à aprendizagem acrítica de
uma qualquer ciência.
Devíamos estar a
falar do mundo nas meses de café, mas como poderíamos falar de um
mundo que não conhecíamos? Tivemos quatro anos para viver de forma livre.
Para acabar as cadeiras em serviços mínimos nas
sucessivas épocas de exames, para gastar os trocos em minis e esperar
que não nos chumbassem por faltas.
Alguns de nós
líamos livros ou víamos filmes pelas madrugadas de copos, aprendemos
coisas.
Li Milan Kundera e
ele falou da Primavera de Praga e a esquerda deixou de ser livre para mim. Como
li Philip Rooth a imaginar a América sob uma conspiração de direita, e a
direita não poderia nunca ser atractiva para mim. Li Orwell e qualquer sistema
que limitasse a liberdade dos cidadãos era o fim, li Garcia Márquez e nas suas
histórias a inquietude de uma América do sul que não se
conseguia encontrar no meio de ditaduras e golpes de estado e as guerras pelo
poder tornaram-se impensáveis para mim. Li Camus, o absurdo da vida que explicava tudo
isso…
Conhecia assim um
mundo romanceado dos sistemas. A minha geração não leu manifestos,
não sabe o que disseram os filósofos, espera única e
simplesmente que vida flua como um rio, desresponsabilizando-os dos
estragos da corrente.
Chegamos ao dia de
hoje neste impasse, a não compreensão do mundo que nos rodeia. Porque estamos
nós a viver esta crise?
Quem é a direita,
quem é a esquerda? Que sentido fazem hoje sistemas políticos herdados
de um mundo pós-revolução industrial? Renovados no pós-guerra? Que sentido
fazem, estas definições, baseadas na organização do trabalho, quando o
paradigma de trabalho mudou tanto, ao ponto de ser irreconhecível?
Ainda assim,
deveríamos saber quem é quem. Porque é desesperante não saber de que lado
estar, em quem acreditar, que teoria defender.
Hoje, jovens
adultos somos inertes, porque sofremos de iliteracia politica crónica.
Porque não nos preocupamos, porque não fomos educados para nos preocupar,
porque o mundo contemporâneo criou-nos esta sensação de liberdade falsa, uma
sensação que não incluía deveres. Apenas direitos.
Hoje já não sou de
esquerda. Mas não sei que possa ser. Não acreditando numa organização politica
que considero desenquadrada, nem numa democracia
desajustada retrograda e ultrapassada que posso fazer eu?
Continuar a viver
e a votar no mal menor? Aceitar que não percebo o que ouço, que há coisas no
mundo da política que simplesmente não têm explicação? Estão no limiar do
absurdo…
Mais desesperante
do que acreditar no lado errado...é mesmo não ter no que acreditar.
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