A estrada tortuosa está ladeada de pequenos muros de granito. Pequenas pedras empilhadas à força de braços, o labor de gerações limpando terrenos, abrindo campo, criando espaço.
No inverno, essas pequenas pedras ficam manchadas de verdes. Escuros e claros, tufos de musgo indisciplinado e as oliveiras entristecidas pendem sobre as silvas que crescem ao sabor da humidade que paira nos pontos sombrios.
As casas caiadas, estão também elas manchadas, de pedra, musgo e de anos de abandono. Por detrás da fachada da frente nascem barracões, por entre caminho empedrado e ao acaso, são plantados vasos de flores, casotas de cães e alfaias que ficam perdidas no tempo e no desuso.
Na maior parte das vezes a estrada tropeça em casas vazias, denunciadas pelas ervas que crescem à porta. Outras vezes, há apenas ausência de vida. Estão já esgotados os risos infantis e os latidos dos cães, presos nos terrenos, ecoam desoladamente sozinhos.
Ao longe pode ver-se o serpentear da estrada. E vê-se que sobe, curva contra curva pelo vale até desaparecer para lá do topo da colina
O sitio parecia esquecido pelos Homens. Onde o dia ainda se fazia ritmado pelo bater do relógio da torre da Igreja.
Num desses lugarejos onde os homens ficam velhos encostados ao mármore encardido do balcão e as mulheres se apagam dentro de uma bata às flores encardida. Bata que um dia substituem pelo negro perpétuo enterrando-se em vida.
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Mantinha-se sentada à empena da casa, encolhida numa cadeira baixa de pau, aproveitando a medo o pouco sol doentio.
Tapava a cabeça com um xaile coçado de malha, herdara de alguém da família. Peça pesada, de um negro sepulcral, um sinal da sua condição de vida.
Observava o silêncio dos seus dias. Era tal a quietude do sitio que poderia adivinhar quem lá vinha pelo trepidar da estrada. Conhecia-os a todos. Aos poucos que por aí passavam, contornando os muros de granito subindo às hortas, conduzindo gado.
Lembrava-se de quando era jovem e ainda brincavam crianças na eira, os seus gritos infantis ecoavam pela encosta replicando-se pelas casas , contornando o adro da igreja.
Lembrava-se de si. De si antes do negro do xaile.
De ser mais alta, antes de se curvar perante o peso do tempo. Dos passos leves e ágeis, dessa alegria ingénua de viver ao ritmo de cada dia.
Fitava a suas mãos enrugadas.Os mesmos dedos longos e tortos, a aliança que nunca tivera coragem de tirar, as suas mãos, agora as mãos de uma velha sentada à empena da casa ao sol de inverno.
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Estavam mais homens à porta do que dentro do café. Estava frio, e o sol doentio de inverno batia na empena da casa à altura dos joelhos e fugia a passos largos para se por por detrás da colina.
Estava encostado à soleira da porta e brincava com as fitas velhas e sebentas. Observava ao longe a velha de negro.
Sempre sozinha. Sentada no banco baixo, encostado à parede caiada, de xaile pesado pela cabeça.
Não lhe lembrava de a ter visto noutro sitio, como se tivesse sido ali colocada já velha, já curvada pelo tempo, já coberta de um luto perpétuo, já esquecida pelos dias.
Impressionava-se ás vezes por aquela solidão. A solidão que não conhecia. Na qual não pensava, mas que temia. Qual seria a sua história? A história desse luto, desse silêncio. Não podia deixar de se perguntar.
Espreitava a rua meio a medo, meio dentro meio fora. Fugindo de todas aquelas vozes alteradas, do fumo do tabaco que se misturava no ar com o azedume do vinho a martelo.
E ali, no meio de tanta gente comparou-se com a velha do xaile negro. Naquele dia de inverno, encostado à soleira da porta, queimando mais um cigarro olhou de novo a empena da casa. Mais um dia na vidas dos sós....
E sentiu por momentos, como se tivesse companhia.
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