Nunca fui de desistir de coisas, nem de falhar. Sempre me
tive por ser rija, de ter fibra. Nunca fui muito menina, nunca deixei de tomar
banho porque não há gás, de deixar de fazer porque é difícil e a minha resistência
à dor pode ser épica.
Foi educada nesse binómio de acção – consequência e num
outro, sacrifício – recompensa. Por isso, quando algo vale realmente a pena
serra-se os dentes e luta-se. Quer seja a prova de domingo, ou um projecto
imenso de vida.
Esse equilíbrio ténue entre o que estamos dispostos a fazer
e o que sonhamos alcançar coordena a vida, esticamos a corda porque acreditamos
que dias melhores virão. Trabalhamos em condições precárias porque algures lá à
frente vai valer a pena. Essa esperança inocente faz o mundo avançar.
Mas é também um principio castrador, porque nos impõe um esforço por vezes
desumano, porque esticamos mais e mais correndo atrás de uma miragem, porque
ser rijo é ser também inflexível é ter dificuldade em voltar, em desistir, em
mudar e em admitir que fizemos um longo caminho em vão.
Descobriu-se nos últimos anos o novo dogma, “tens de sair da
tua zona de conforto”. E saímos, empurramo-nos constantemente para precipícios
porque se não sairmos nada vai acontecer. E caímos muitas vezes sem pára-quedas,
porque 90% das vezes que saímos da zona de conforto caímos realmente num
desconforto imenso e voltamos feridos para casa.
Perguntamo-nos por essa altura se vale a pena. O esforço, a
disponibilidade, a teimosia e um dia deixa de valer. E quando é claro e
simples, esse conceito: Não vale a pena. Permitimo-nos desistir.
É um momento libertador. De uma leveza suprema. Nesse
preciso instante em que numa qualquer rua atolada de gente de passo apressado e
rosto vazio nos permitimos a uma longa gargalhada, a um choro compulsivo e a
dizer em voz alta: “não vale a pena, vou simplesmente desistir.”
Converter a desistência em algo diferente de uma derrota massiva
é outro caminho.
Não deixar a desistência definir o resto dos nossos dias uma luta interior.
Mas se não vale a pena, libertemo-nos. Permito-me desistir.
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Descobri algures no tempo que é possível ter-se perfeita consciência da depressão, senti-la a chegar nas noites mal dormidas, na apatia geral dos dias. O sintoma geral do "não vou beber um copo, porque não vale a ressaca", quando todas as tarefas passam a ser feitas em piloto automático e o comer sabe todo ao mesmo. Porque é igual, existe-se. Mas não para além de um corpo que respira. A nossa mente às vezes escolhe encolher-se, esvaziar-se ausentando-se de nós.
Não assumimos a depressão, porque somo rijos, porque obviamente estamos muito para lá. A consciência da sua existência, a procrastinação que se instala confortável nos nossos dias tudo isso a acontecer na clarividência de que ser triste, desistir, ser completamente abalroado pela vida é para os fracos.
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Chega então o momento em que o mundo em geral sabe mais do que nós sobre como resolver a nossa questão. E enchem-nos de mensagens positivistas, de incentivos bem intencionados e nos exortam a sair da apatia, a ser melhor.
Segue-se o momento em que não percebemos a linha entre a boa intenção e o atestado de inaptidão. É tão difícil lidar com o luto dos outros, ter a palavra certa.
Não aceitamos muitas vezes o fraquejar dos que nos rodeiam. Não é suposto sermos todos fortes?
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Resume-se a isso então. Estou desanimada. Já fiz o que tinha a fazer e vou desistir.
Não gosto, não quero, não vale a pena.
Espero dedicar-me a existir no espectro do autismo social nos próximos tempos, até que tropece numa missão de vida e decida se quero salvar baleias na Nova Zelândia ou pedir ao sapateiro do fundo da rua que me ensine a cozer sapatos.
Porque não temos de viver vidas desapaixonadas...
Mas as paixões são lixadas.
Não se procuram, encontram-se. Seja ela de que tipo for.