terça-feira, novembro 26, 2013

O "urbanicidio"…


As cidades são como corações que batem, a ritmos compassados, alimentados por artérias vivas que trazem e levam, as alimentam e as mantêm vivas.

Quando aos poucos essas artérias são cortadas, como um coração mirrado em agonia, com falta de ar, as cidades param, hesitam, depois diminuem e obscuramente transformam-se em sombras de si, vegetando entre escombros até que morrem.

Devem ter morrido tantas, soterradas pelas cinzas de vulcões, abandonadas por habitantes escorraçados por epidemias, outras tantas sucumbiram à irrelevância dos seus caminhos. Outras morreram de mortes naturais, depois de levadas pelo tempo. Outras ainda, periclitantes estão a ser assassinadas nos nossos dias.

O assassino é meticuloso e tem tempo. Corta uma artéria de cada vez. A cidade ressente-se mas reorganiza-se com o ar diminuído, abranda. Reajusta-se. Até que entra em falência respiratória, não consegue mais subir degraus. Órgãos seus morrem de asfixia.

Espalham-se os órgãos devolutos. As casas vazias. A irrelevância torna-se evidente.

E com a cidade morremos nós, pequenas células. Abandonadas à sorte de um território vazio. De esperança nula.

O crime nesta cidade é de primeiro grau com premeditação agravada. Devia ser caso de estudo. Deviam escrever teses a ensinar como matar uma cidade em menos de uma década. Como mandar todos os que se importavam embora, como agarrar numa comunidade criativa, esperançada e pulsante, orgulhosa do seu espaço e asfixia-la até ao estado vegetativo.

Escrevam. E chamem-lhe Portalegre. 

quarta-feira, novembro 20, 2013

Dos grandes momentos e outras memórias...



Em Maio de 2008 eu tinha todo o tempo do mundo. Tinha todas as primeiras vezes para desfrutar, o mundo podia ainda ser meu. E foi. 

Numa noite única na aula Magna foi muito meu. Garcia Marques disse que não interessa o que vives, mas como te lembras do que vives para contar.

E dessa noite, os The National, Matt Berninger meio ébrio na palco e uma sala a abarrotar de "goupies indie coiso" de letras decoradas e prontos a fazer coro, eu lembro momentos épicos.

Épicos de comunhão entre o público e a sua banda de referencia. Épicos entre mim e os que estavam comigo. 

2008 foi um ano feliz. Havia aquilo que Michael Cunningham nomeia em "As Horas", o Senso de possibilidade. Quando, num momento da tua vida ainda tudo pode realmente acontecer e isso aborda o teu ser de uma forma realmente positiva.

A Aula Magna foi isso, um senso imenso de possibilidade, o primeiro concerto realmente ansiado, uma peregrinação.

O espaço colegial, o sentimento de proximidade de todos os que lá estavam e um espectáculo intimo, frenético e algo alcoolizado fizeram do concerto dos The National memorável.

Muito se escreveu nos dias seguintes, "o melhor do ano", a banda de "uma geração" ou "não foi isso tudo de especial". 

Não sei o que foi. Não sei se foi tudo isso de bom, se teve tantas falhas. Sei do que me lembro para contar.

E a Aula Magna foi na data, o concerto da minha vida.

P.S. Amanhã, mais de 5 anos passados e 2 álbuns depois é noite de The National, Não espero reviver aquele Maio, mas espero viver novas histórias...espero viver para contá-las.

domingo, novembro 17, 2013

Das desistências e outras derrotas.


Nunca fui de desistir de coisas, nem de falhar. Sempre me tive por ser rija, de ter fibra. Nunca fui muito menina, nunca deixei de tomar banho porque não há gás, de deixar de fazer porque é difícil e a minha resistência à dor pode ser épica.

Foi educada nesse binómio de acção – consequência e num outro, sacrifício – recompensa. Por isso, quando algo vale realmente a pena serra-se os dentes e luta-se. Quer seja a prova de domingo, ou um projecto imenso de vida.

Esse equilíbrio ténue entre o que estamos dispostos a fazer e o que sonhamos alcançar coordena a vida, esticamos a corda porque acreditamos que dias melhores virão. Trabalhamos em condições precárias porque algures lá à frente vai valer a pena. Essa esperança inocente faz o mundo avançar.

Mas é também um principio castrador, porque nos impõe um esforço por vezes desumano, porque esticamos mais e mais correndo atrás de uma miragem, porque ser rijo é ser também inflexível é ter dificuldade em voltar, em desistir, em mudar e em admitir que fizemos um longo caminho em vão.

Descobriu-se nos últimos anos o novo dogma, “tens de sair da tua zona de conforto”. E saímos, empurramo-nos constantemente para precipícios porque se não sairmos nada vai acontecer. E caímos muitas vezes sem pára-quedas, porque 90% das vezes que saímos da zona de conforto caímos realmente num desconforto imenso e voltamos feridos para casa.

Perguntamo-nos por essa altura se vale a pena. O esforço, a disponibilidade, a teimosia e um dia deixa de valer. E quando é claro e simples, esse conceito: Não vale a pena. Permitimo-nos desistir.

É um momento libertador. De uma leveza suprema. Nesse preciso instante em que numa qualquer rua atolada de gente de passo apressado e rosto vazio nos permitimos a uma longa gargalhada, a um choro compulsivo e a dizer em voz alta: “não vale a pena, vou simplesmente desistir.”

Converter a desistência em algo diferente de uma derrota massiva é outro caminho.


Não deixar a desistência definir o resto dos nossos dias uma luta interior.
Mas se não vale a pena, libertemo-nos. Permito-me desistir.

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Descobri algures no tempo que é possível ter-se perfeita consciência da depressão, senti-la a chegar nas noites mal dormidas, na apatia geral dos dias. O sintoma geral do "não vou beber um copo, porque não vale a ressaca", quando todas as tarefas passam a ser feitas em piloto automático e o comer sabe todo ao mesmo. Porque é igual, existe-se. Mas não para além de um corpo que respira. A nossa mente às vezes escolhe encolher-se, esvaziar-se ausentando-se de nós.

Não assumimos a depressão, porque somo rijos, porque obviamente estamos muito para lá. A consciência da sua existência, a procrastinação que se instala confortável nos nossos dias tudo isso a acontecer na clarividência de que ser triste, desistir, ser completamente abalroado pela vida é para os fracos.

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Chega então o momento em que o mundo em geral sabe mais do que nós sobre como resolver a nossa questão. E enchem-nos de mensagens positivistas, de incentivos bem intencionados e nos exortam a sair da apatia, a ser melhor.

Segue-se o momento em que não percebemos a linha entre a boa intenção e o atestado de inaptidão. É tão difícil lidar com o luto dos outros, ter a palavra certa.

Não aceitamos muitas vezes o fraquejar dos que nos rodeiam. Não é suposto sermos todos fortes?

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Resume-se a isso então. Estou desanimada. Já fiz o que tinha a fazer e vou desistir.
Não gosto, não quero, não vale a pena.

Espero dedicar-me a existir no espectro do autismo social nos próximos tempos, até que tropece numa missão de vida e decida se quero salvar baleias na Nova Zelândia ou pedir ao sapateiro do fundo da rua que me ensine a cozer sapatos.

Porque não temos de viver vidas desapaixonadas...
Mas as paixões são lixadas.

Não se procuram, encontram-se. Seja ela de que tipo for.