Amanhã é o último dia. Da década, dessa grande ilusão de se
ser jovem eternamente, de se poder fugir do tempo, de ainda ter todo o tempo
para fugir.
***
As datas, deviam ser apenas dias. Mas não são. Enquanto
fazem sentido são coisas plenas de alegria, são dias que amanhecem de sorriso
aberto, são horas ternas em câmara lenta, são uma sensação morna na pele.
Quando não fazem mais sentido são vazios imensos, sombras
que existem e sol nenhum consegue clarear. Hoje era uma data. Hoje foi uma
sombra vazia.
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Lembro-me do dia em que fiz 20 anos, do frio de Fevereiro,
das coisas que vestia na altura, dos sítios onde ia, da cama onde dormia e das
minhas inquietações. Lembro-me que fazer 20 anos foi como acordar numa manha de
verão, com cheiro a mar num dia que prometia, num dia desses de grandes
vontades em que tudo pode acontecer. Fazer 20 anos, ser tão jovem e viver tão
apaixonada, fazer 20 anos era como poder fazer tudo ainda.
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Não sei porque é tão perturbante essa barreira psicológica.
Os 30. Nada mudou, nem um risco novo no rosto, nem uma perda de energia. O
espelho reflecte da mesma forma um corpo inteiro, numa mente mais complexa,
numa vontade renovada de viver. E no entanto, atravessar essa linha invisível é
de alguma maneira dilacerante, como ter dores de crescimento, aceitá-las para
além do mito. Um dia fazemos 20 e num sopro fazemos 30 e nesse espaço de tempo
o que nos aconteceu?
***
Amanhã é o último dia. Ou o dia antes do primeiro do resto da
minha vida. Ele pode ser triste e melancólico ou feliz e esperançoso. Mas é um
último dia.
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