Sentou-se à beira do muro e olhou a planície que se estendia
a seus pés. Um imenso mar de verdes, casas perdidas e caminhos abandonados.
Respirou. Lembrava-se de toda uma vida que não tinha vivido
ali. De como ela tinha sido, essa semente que se formou no seu ser mas não
germinou, morreu antes de crescer.
Lembra-se nesta nostalgia do vazio, porque uma coisa que não
existiu não ocupa lugar, mas havia um lugar no seu ser que era daquela vida. De
todos os sítios onde deveria ter ido, dos dias e dos anos, das vezes que deram
as mãos e dos olhares cúmplices. Sente o
ter envelhecido ali, as vezes que foi feliz e os lutos, os dias cheios de sol ou
os invernos longos.
Uma vida inteira vivida ali. Uma vida que não existiu.
Sente essa falta… saudades do que ficou por fazer.
***
Às vezes sente-se completamente atropelada pela vida. Com se
fosse jogada pela janela do comboio a alta velocidade e planasse durante muito
tempo antes de cair, antes de aterrar na realidade. E enquanto é jogada nesse
mar de vento e rebola sem reacção, coisas boas acontecem, e passam e são só
meras imagens perdidas na euforia dos dias. Às vezes gostava de ser jogada pela
janela, mas em câmara lenta para poder filmar, avaliar, saborear a vida sem que
se seguisse sempre essa sensação de perda. Há dias que são tão altos, que todos
os outros a seguir só podem ser uma enorme ressaca emocional.
***
A perspectiva é boa, é de mudança. A mudança é boa. É
aguardada. A mudança mete medo, e dá má digestão e tira-nos o sono de noite.
A mudança mete medo, mesmo quando é tão desejada.
Está com medo, sente que é capaz da mudança, depois duvida,
depois desespera, depois acha que não. Depois respira, a mudança é boa, ela é
capaz da mudança. Ela desejou-a.
As borboletas na barriga são agridoce. É bom, mas é assustador.
***
O céu resolveu cair em forma de água, numa chuva perene, num
vento rígido com um frio cruel.
Os dias são mais fáceis quando faz sol, quando são grandes.
A mudança merece dias de sol. A mudança precisa de dias de sol. Mas ninguém lhe
disse que ia ser fácil, e sofrendo o mundo deste mal de inverno também a sua
mudança sofrerá. De dias frios e cinzentos, de corredores vazios, de caras
novas, de sensação de inaptidão, de dificuldade em se relacionar.
Sofrerá de ruas com outros nomes e rostos estranhos por
debaixo da chuva, de sapatos molhados, de roupa desadequada para a intempérie e
compras e um mundo inteiro por organizar.
***
Depois de muito tempo enregelada pelo vento de norte velando
aquela vida não vivida fechou os olhos e deixou-a ir, o vazio a deixar de ter
peso ao sair de si.
Não podia salvá-la, nem resgata-la desse outro tempo que já
passou.
Basta-lhe a mudança. Imaginar toda uma vida num outro sítio.
Viver toda essa vida.
Mudar e viver.
Ainda que se assuste, e tenha dores de
barriga.
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