segunda-feira, março 17, 2014

"There is no love of life without despair of life." Camus, A,


Há dias em que parece que o mundo nos dragou a alma, chegamos a casa vazios. Questionando, uma e outra razão. Desejando coisas que não podemos ter, desejando respostas, certezas, indicações e uma via aberta para a vida. Há dias em que nos deparamos connosco. E apesar de termos a certeza que estamos a fazer o melhor que podemos, temos a certeza que não sabemos o que estamos aqui a fazer.


***

Sai para a rua e respirei. Ar frio e vivo a encher-me os pulmões, quase a queimar de vida.  Essa necessidade eléctrica de me mexer, essa energia pouco positiva a transbordar, a querer sair e abandonar-me.
Esse momento de conexão, em que as imagens e os dias se rebobinam na nossa mente ao ritmo da passada, cadenciando com o baque das pedras da calçada. Um e outro assunto a ser arrumado no seu respectivo lugar. Problemas a surgirem e a fugirem de nós. Correr e pensar.
Pensar enquanto o frio da noite substitui o frio do dia. Enquanto os cheiros da escuridão se instalam e se sobrepõe aos cheiros do movimento.
E sinto-o, um coração que bate e se esforça e se supera. Sinto que tenho sangue nas veias e que o posso fazer circular.
Sai para a rua e respirei, respirei fundo.  
É como sentar e pensar. Sentamos e pensamos cada vez menos.
Vivemos nesse ritmo de coisas a sucederem-se sem parar. A entrar e a sair de casas, de sítios, de peças de roupa.
A nossa vida invadida pela vida de outros. Todas as versões de nós a existirem ao mesmo tempo, a trabalharem, a viverem. Todas, ao mesmo tempo. Nem uma a parar para pensar. 


                                                                                 ***

"Porque estás aqui comigo?" - perguntou-lhe olhando-o nos olhos, num tom desafiador
"Olha para ti, podes estar com quem quiseres, podes escolher. És bonito, és charmoso. És relativamente jovem e desimpedido. Porquê comigo?
Eu que sou um significante nada. Que não sou bonita nem feia. Nem alta nem baixa. Que falo baixo e me fica tanto por dizer.
Logo eu, a desenquadrada, eternamente deslocada onde quer que esteja. Eu? Que nem sou assim fã de pessoas e só agora estou a aprender a viver. Questiono-me e espanto-me. Queria saber."

***

Inquieta-me as pessoas. O vazio que lhes vejo, o mar de inquietações. Imagino o seu interior debatendo-se com o dia a dia, incessantemente sem parar, sem momentos de silêncio, sem se sentarem para pensar.
Inquieta-me o escuro, essa vontade que me surge de as salvar, de as retirar da inercia da vida, desse quotidiano que achamos que temos de viver. Inquieta-me que me inquiete.
Porque revejo os pequenos nadas nas duvidas da sua existência. Da minha própria existência e insatisfação.
Como Sissifo, carregando a pedra pesada que é a nossa mente, ela sempre rolando, recuando, dizendo-nos que não.

***
Que andam as pessoas a fazer? Porque escolhemos o que escolhemos, porque o fazemos?
Continuamos no absurdo da vida?
E essa ausência de explicação... a incerteza. É incessante. As duvidas, o desconforto. Deviam ser boas, deviam ser motivantes. As dúvidas lançaram homens ao mar e descobriram novos mundos.
Estaremos acomodados no dia que descobrirmos todas as certezas.
As dúvidas são inquietação.
A inquietação é criadora.
Criamos inquietos.
Vivemos. Inquietos e cheios de dúvidas.
Estamos vivos.
(Mesmo sem saber o que estamos aqui a fazer.)





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