Poderia
perder a fé, mas como se perde algo que não se tem? Ou que se tem de uma forma
tão abstrata e absurda que nunca se conseguiu tocar?
Meu
pai disse-me um dia que quando morrêssemos íamos para a terra, que seria um
nada, que para lá da vida havia apenas a morte. Crê a sério na nossa finitude.
Disse-me que as pessoas acreditam em algo porque lhes dá conforto, criamos um
sentimento de possibilidade, acrescenta-nos sentido.
***
No
outro dia a minha tia confidenciou-me ao ouvido, enquanto caminhávamos
atrás do carro, a passos lentos, de cabeça baixa, sussurrando trivialidades
para esquecer a caminhada.
Tia: “Sabes, a tia em
maio vai fazer um retiro. Em Beja.”
Eu: “Um retiro tia,
desses de ficar em Silêncio?”
Tia: “Sim, são três
dias. Estás lá, rezas. É tão bom, faz tão bem à tia.”
Ficamos
no silêncio, dando passos. De braço dado. Brilharam-lhe os olhos de satisfação
no meio daquela tristeza.
Em
contraponto à descrença, o braço que segurava no meu dava passos de fé. Os meus
eram só passos.
Em
que se acredita, quando não se acredita em nada?
***
Nunca
soube lidar com a perda de alguém. Isso reflecte-se num comportamento que roça
a apatia. Lágrimas que não caem, palavras desajeitadas que nunca são
ditas na altura certa. Abraços estranhos que se recebe com reticências e
um mundo de coisas que são um tédio existencial. Tudo isso transformando o meu
coração numa enorme pedra. Fria e impossível de compreender.
Às
vezes acho que sou uma miúda muito, muito esquisita…
***
Continuo
no embaraço de não saber os gestos e de repetir como que com um engasgo as
ladainhas. Não entendo a aquela comunhão, nem a reverência. Respeito, mas não
faço parte.
***
Kierkegaard alegou
que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em
vivê-la de maneira sincera e apaixonada, apesar de admitir que existem muitos
obstáculos e distracções.
O
desespero, a ansiedade, o absurdo, a alienação e
o tédio atravessam amiúde o nosso caminho.
Da
escola existencialista continua a assombrar-me Camus e o absurdo da vida.
Imaginar
Sísifo feliz é uma imagem que me persegue, e que ao mesmo tempo me abre portas
para a aceitação das provações, porque se Sísifo puder encontrar sentido na sua
tarefa inglória, incessante e sem sentido, também eu poderei dar sentido aos
dias.
Se
aceitarmos a falta de sentido, o absurdo da nossa existência, não há porque
tentar explicar a morte, ela simplesmente existe. As nossas perdas são só fruto
de um acaso, de situações, do simples facto de estarmos vivos.
Até
certo ponto acho isso mais reconfortante que acreditar no juízo final, no céu e
na terra. Não creio que exista explicação para o sofrimento que existe e se
espalha bem mais rápido que as bênçãos no mundo.
Com
diria o velho Woody, se ”Deus existe, espero que tenha uma boa desculpa.”.
Espero
sinceramente que exista…apesar de tudo, pior que acreditar na coisa errada… é
não acreditar em nada.
***
Demos
passos largos e lentos. Olhando os pés, num cortejo pejado dos olhares de quem
pára à beira dos passeios. Nem véus pretos, nem choros altos. Só
silêncio, céu negro e um ar abafado.
O
cheiro adocicado de flores que murcham depressa demais, morrem antes do
tempo...como se mais alguma coisa precisasse de morrer com a parte de
nós que parte.
Os passos, lentos. O cheiro do fumo de escape dum carro já passado
que entorpece quem respira. As pedras gastas da calçada.
A
terra remexida. O cheiro a sebes, a flores murchas, a lexivia que alguém
esfregou no mármore.
A imponência...o
branco...o limite entre o céu e a terra marcado no horizonte pelo muro alto, o
muro que cria silêncio.
As
pessoas entraram e saíram, deram sentimentos. Trataram-me como se me
conhecessem... talvez tenham andado comigo ao colo... eu só me questiono
sobre quem são, porque prestam respeito. Eu não era daquela terra.
Segundo Garcia Marquez...agora já sou...
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