quarta-feira, abril 09, 2014

“I would rather live my life as if there is a god and die to find out there isn't, than live my life as if there isn't and die to find out there is.” ― Albert Camus




Poderia perder a fé, mas como se perde algo que não se tem? Ou que se tem de uma forma tão abstrata e absurda que nunca se conseguiu tocar?

Meu pai disse-me um dia que quando morrêssemos íamos para a terra, que seria um nada, que para lá da vida havia apenas a morte. Crê a sério na nossa finitude. Disse-me que as pessoas acreditam em algo porque lhes dá conforto, criamos um sentimento de possibilidade, acrescenta-nos sentido.

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No outro dia  a minha tia confidenciou-me ao ouvido, enquanto caminhávamos atrás do carro, a passos lentos, de cabeça baixa, sussurrando trivialidades para esquecer a caminhada.

      Tia: “Sabes, a tia em maio vai fazer um retiro. Em Beja.”
      Eu: “Um retiro tia, desses de ficar em Silêncio?”
      Tia: “Sim, são três dias. Estás lá, rezas. É tão bom, faz tão bem à tia.”

Ficamos no silêncio, dando passos. De braço dado. Brilharam-lhe os olhos de satisfação no meio daquela tristeza.
Em contraponto à descrença, o braço que segurava no meu dava passos de fé. Os meus eram só passos.
Em que se acredita, quando não se acredita em nada?

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Nunca soube lidar com a perda de alguém. Isso reflecte-se num comportamento que roça a apatia. Lágrimas que não caem, palavras desajeitadas que nunca são ditas na altura certa. Abraços estranhos que se recebe com reticências e um mundo de coisas que são um tédio existencial. Tudo isso transformando o meu coração numa enorme pedra. Fria e impossível de compreender.
Às vezes acho que sou uma miúda muito, muito esquisita…

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Continuo no embaraço de não saber os gestos e de repetir como que com um engasgo as ladainhas. Não entendo a aquela comunhão, nem a reverência. Respeito, mas não faço parte.

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Kierkegaard alegou que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de maneira sincera e apaixonada, apesar de admitir que existem muitos obstáculos e distracções. 
O desespero, a ansiedade, o absurdo, a alienação e o tédio atravessam amiúde o nosso caminho.
Da escola existencialista continua a assombrar-me Camus e o absurdo da vida.
Imaginar Sísifo feliz é uma imagem que me persegue, e que ao mesmo tempo me abre portas para a aceitação das provações, porque se Sísifo puder encontrar sentido na sua tarefa inglória, incessante e sem sentido, também eu poderei dar sentido aos dias.

Se aceitarmos a falta de sentido, o absurdo da nossa existência, não há porque tentar explicar a morte, ela simplesmente existe. As nossas perdas são só fruto de um acaso, de situações, do simples facto de estarmos vivos.

Até certo ponto acho isso mais reconfortante que acreditar no juízo final, no céu e na terra. Não creio que exista explicação para o sofrimento que existe e se espalha bem mais rápido que as bênçãos no mundo.
Com diria o velho Woody, se ”Deus existe, espero que tenha uma boa desculpa.”.

Espero sinceramente que exista…apesar de tudo, pior que acreditar na coisa errada… é não acreditar em nada.


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Demos passos largos e lentos. Olhando os pés, num cortejo pejado dos olhares de quem pára à beira dos passeios. Nem véus pretos, nem choros altos. Só silêncio, céu negro e um ar abafado.
O cheiro adocicado de flores que murcham depressa demais, morrem antes do tempo...como se mais alguma coisa precisasse de morrer com a parte de nós que parte.
Os passos, lentos. O cheiro do fumo de escape dum carro já passado que entorpece quem respira. As pedras gastas da calçada.
A terra remexida. O cheiro a sebes, a flores murchas, a lexivia que alguém esfregou no mármore.
A imponência...o branco...o limite entre o céu e a terra marcado no horizonte pelo muro alto, o muro que cria silêncio.

As pessoas entraram e saíram, deram sentimentos. Trataram-me como se me conhecessem... talvez tenham andado comigo ao colo... eu só me questiono sobre quem são, porque prestam respeito. Eu não era daquela terra.

Segundo Garcia Marquez...agora já sou...





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