sábado, setembro 20, 2014

Da força de vontade e outros fantasmas…


A força de vontade é um músculo invisível, ainda assim um músculo. Que se trabalha de forma incansável ou ele fica flácido e incapaz de funcionar.

Testamo-lo todos os dias com pequenos nadas, com respostas negativas a tentações, com pequenos esforços sem nexo como subir pelas escadas e depois traímos o treino com a famosa frase “dias não são dias…” E não são, isto quando não a dizemos todos os dias.

Isto para dizer que a força de vontade treina-se. É um treino exigente que quando levado demasiado a sério pode transformar a nossa vida numa coisa ascética e fundamentalista, mas que quando é descurado simplesmente nos foge das mãos. Dias não são dias, comes o doce hoje, amanhã bebes mais um copo e porque não, a vida é um mar de coisas boas [que tendencialmente te fazem mal] fumas um desses cigarros. 

Os dias tornam-se semanas que se acumulam em meses. O teu músculo está fraco. Não é uma palavra que sai menos vezes. E porquê, porquê dizer não ao que nos faz feliz, aos momentos, aos sítios, à vida que está a ser vivida, agora e aqui. Se isso nos faz sentir bem? Se estamos felizes? Dizes sim.

Um dia, acordas e precisas do “músculo” funcional, e ele está flácido. É nesse momento que se faz a diferença, ou percebemos  que dias não são dias e recomeçamos o treino, ou deixamo-nos dessas merdas e aceitamos que não queremos saber.

Dias são sempre dias, cada pequena decisão que tomamos tem consequências imediatas no que somos, no equilibro ténue da balança perfeita que é o nosso corpo.

Inicias então a “dieta”. A “dieta” é a metáfora perfeita para a força de vontade necessária para a vida. Deixar um vicio é uma dieta, deixar um mau hábito é uma dieta, os pressupostos são os mesmo, deixares de fazer algo que gostas. Se deixas de fazer algo que gostas é porque em algum ponto isso te estava a prejudicar, privaste-te em prol do bem maior.

O início da “dieta” é doloroso, tens fome. Sempre. Não inventem. Apetece-te coisas. Tens fome. É ai que entra o “músculo”. É ai que te apercebes, afinal, qual é o tamanho da tua força de vontade.

Sou conhecedora de dietas. De uma forma muito lata já fiz de todas, já tive vícios, já tive maus hábitos, já tive peso a mais, já tive que em muitas situações me corrigir e me reorientar.

Não são fáceis, eles implicam quase todos os sectores da nossa vida, gastam muita energia. Intrigam as pessoas à nossa volta, por vezes isolam-nos, por vezes deprimem-nos, por vezes são a descoberta do admirável mundo novo.

Mas são difíceis. Tens “fome”. Seja do que for que te aconchega a alma.

Mas ai entra o teu “músculo”. Força de vontade é comer um quadrado de chocolate e ficar satisfeito sabendo que o resto da tablete está na gaveta.

Este foi um grande verão. Fui feliz e fiz o que queria fazer, não disse tantas vezes não. E isso deixou-me com pouca energia, uns quilitos a mais e uma balança desequilibrada que eu tenho de voltar a equilibrar.
Setembro sempre foi para mim um mês de mudança, de recomeçar. Muito mais que o ano novo, para mim Setembro é o mês de fazer a vida avançar.


Por isso, estou oficialmente de “dieta”. E estou confiante, tenho um bom “músculo”. Tem provas dadas, mais que não seja porque eu passo a vida a testar-lo!

quarta-feira, setembro 03, 2014

O cheiro e o som do silêncio



Moro no 3ª andar, subo e desço sempre pelas escadas apesar de haver elevador. Pressinto que os vizinhos acham que é uma forma de ser antissocial e de os evitar naquele cubículo abafado, eu acho que não faz sentido nenhum correr 10kms ao fim da tarde e depois ir de elevador até casa.

***

Lembro sempre da minha janela com vista para a serra, o ar fresco de fim da tarde, o suão quente e seco no topo do verão e o silêncio das ruas a ecoar na calçada. Esse silêncio diferente em cada sítio onde se mora. Em Portalegre sepulcral, cheio de ecos das encostas e pequenas especificidades das casas de portas abertas diretamente para a rua. O silêncio dos passos que batem pela noite dentro nas ruas vazias, das gritarias estudantis do fim do Setembro logo após a sensação de total esquecimento que é Agosto.

Em Grândola o silêncio é um silêncio fresco que cheira a brisa longínqua de mar. A vento salgado a girar nas copas das árvores, gritando por vezes debaixo de um céu negro e estrelado. O cheio a terra, a pó. A rebanho de ovelhas e as cigarras que gritam com os cães a perderem-se em ecos pela imensidão daquele noite plana. O silêncio de Grândola é um silêncio ancestral.

Aqui o silêncio é um silêncio de sombras que passam nas janelas. De roupa que oscila no sétimo andar. De cadeiras que se empilham no bar da esquina ás 10h da noite e de carros que travam nos cruzamentos na madrugada de quem está a chegar depois da noite virada a trabalhar.

E um silêncio ambíguo, porque se ecoa nas larguezas da Lezíria depois afunila numa promessa de civilização.

Nestes silêncios podes sentar-te ao fresco, sem nada ouvir e ouves sempre um pulsar, os sítios respiram cadenciadamente, como se tivesse corações que batem, sangue a correr nas artérias e principalmente, uma alma.

É essa alma por que nos apaixonamos, essa alma só se encontra no “silêncio”.

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São então as trivialidades que fazem de um sítio casa. O cheiro, o primeiro que sentes quando colocas a chave na porta da rua e pões o pés no o teu hall de entrada, o cheiros que vais encontrando andar a andar, a cada degrau adivinhando o jantar do vizinho, ou o cão angustiado que o dono não levou à rua, o tipo que colocou o lixo à porta. O perfume intenso da vizinha que vai sair, o cheiro a riso juvenil da malta de baixo que está a fazer um jantar.

***

O cheiro e o som do silêncio. Quando amares os que sentes, estás em casa.