quarta-feira, setembro 03, 2014

O cheiro e o som do silêncio



Moro no 3ª andar, subo e desço sempre pelas escadas apesar de haver elevador. Pressinto que os vizinhos acham que é uma forma de ser antissocial e de os evitar naquele cubículo abafado, eu acho que não faz sentido nenhum correr 10kms ao fim da tarde e depois ir de elevador até casa.

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Lembro sempre da minha janela com vista para a serra, o ar fresco de fim da tarde, o suão quente e seco no topo do verão e o silêncio das ruas a ecoar na calçada. Esse silêncio diferente em cada sítio onde se mora. Em Portalegre sepulcral, cheio de ecos das encostas e pequenas especificidades das casas de portas abertas diretamente para a rua. O silêncio dos passos que batem pela noite dentro nas ruas vazias, das gritarias estudantis do fim do Setembro logo após a sensação de total esquecimento que é Agosto.

Em Grândola o silêncio é um silêncio fresco que cheira a brisa longínqua de mar. A vento salgado a girar nas copas das árvores, gritando por vezes debaixo de um céu negro e estrelado. O cheio a terra, a pó. A rebanho de ovelhas e as cigarras que gritam com os cães a perderem-se em ecos pela imensidão daquele noite plana. O silêncio de Grândola é um silêncio ancestral.

Aqui o silêncio é um silêncio de sombras que passam nas janelas. De roupa que oscila no sétimo andar. De cadeiras que se empilham no bar da esquina ás 10h da noite e de carros que travam nos cruzamentos na madrugada de quem está a chegar depois da noite virada a trabalhar.

E um silêncio ambíguo, porque se ecoa nas larguezas da Lezíria depois afunila numa promessa de civilização.

Nestes silêncios podes sentar-te ao fresco, sem nada ouvir e ouves sempre um pulsar, os sítios respiram cadenciadamente, como se tivesse corações que batem, sangue a correr nas artérias e principalmente, uma alma.

É essa alma por que nos apaixonamos, essa alma só se encontra no “silêncio”.

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São então as trivialidades que fazem de um sítio casa. O cheiro, o primeiro que sentes quando colocas a chave na porta da rua e pões o pés no o teu hall de entrada, o cheiros que vais encontrando andar a andar, a cada degrau adivinhando o jantar do vizinho, ou o cão angustiado que o dono não levou à rua, o tipo que colocou o lixo à porta. O perfume intenso da vizinha que vai sair, o cheiro a riso juvenil da malta de baixo que está a fazer um jantar.

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O cheiro e o som do silêncio. Quando amares os que sentes, estás em casa.


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