domingo, janeiro 14, 2018

A terceira década...





Lembro-me de desejar tão fortemente ser adulta, da liberdade que achei que isso ia ser. Da certeza que traria a todas as decisões, das certezas. Ser adulto seria ter certezas, de quem somos, para onde vamos de tudo o que é suposto fazer a seguir.
Acontece que ser adulto é a mesma confusão que era ser adolescente. Talvez pior, porque quando somos adultos, é suposto saber. Eu não sei.
É uma merda!

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O cinismo pós-adolescente que ainda não é adulto é endémico e preenche todos os espaços vazios entre as nossas células, não nos deixa mais respirar.
Primeiro acaba-se Deus, depois foge-nos o Amor e um dia acordamos a desejar intensamente apenas nos alimentar-nos de raízes e viver descalços numa cabana de apenas uma divisão com uma única porta que abra para o lado do mar.
Num mundo de apaixonados, ser cínica da vida é um acto solitário. Há pessoas apaixonadas pelo seu trabalho de tal forma que não têm vida, há outros cuja vida é tão apaixonante que não chegam a ter um trabalho e pelo o meio há outros que se apaixonam de morte por projeções, personagens ou coisas que encontram pelo caminho. São normalmente sombras adultas de adolescentes ainda em formação e as paixões são tão intensas e mediatizadas como só a Era do Ego nos permite. Todos nós, exercitando o livre arbítrio, tão adolescente como outrora, tão à deriva de motivos, a acordar todos os dias pela manhã, a fazer a comutação entre a cama e essa abreviação de vida, as horas vendidas, o trabalho. E se em nada disso se consegue encontrar sentido, onde ele estará?

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A crer que em qualquer virar da esquina encontramos o absurdo, já dizia Camus, que nada disto se justifica para além das trocas da aleatoriedade, que quem ardeu nos fogos estava só na hora errada no sitio mal escolhido, que quem fica enterrado nas lamas das cheias simplesmente exerceu mal o poder de escolha e devia ter ido ao cinema em vez de ficar em casa, a acharmos que nada do que façamos nos vai salvar da roleta russa da vida, para quê tanto desperdício de energia?
E ainda assim, não nos conformamos, qual é o sentido?

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Agora que era suposto sermos adultos e o mundo não é mais o mesmo o que fazemos? O ano que vem não é de crescimento, nas noticias os Reis do mundo medem-se, “o meu botão é maior que o teu”, os ursos polares vagueiam esfomeados em cubos de gelo derretidos, o inverno enjoa-nos de gelado num mundo supostamente aquecido. A comida não tem sabor, ou tem? Será dos aditivos de combustível? Ou das mutações transgénicas? Quem sabe se é da vida que se esvaí antes mesmo de o ter sido confinada em cubículos escuros e sem ar. Entretanto, enquanto escolhemos entre o bife de vaca marinado em antibióticos ou um estilo de vida biológico que nunca vamos conseguir pagar, afogamo-nos na anemia da vida, esse sangramento grave e perene. “É falta de ferro menina, coma um bife.”. Ou é só falta de vida, que de tanto ferro mal tratado jaz enferrujada?


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Seremos então adultos daqui a dez anos? Outra década, diz que quem entra nos “entas” já não volta para trás. Teremos certezas? Porque os trinta são os novos vinte e quem sabe, quando formos todos descontinuados por um qualquer programa informático e os zeros e uns fizerem tudo por nós, quem sabe se por essa altura sentados de frente para um sol poente por cima do mar possamos pensar-nos de uma vez por todas. Ou não, é o absurdo.

Dizia o poeta que “boa é a vida”, de facto...valha-nos o vinho!


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