O mundo deve estar louco, acendi a luz e ando a matar melgas em fevereiro. O que me dá nos nervos os zumbidos a cortar o silêncio da madrugada, as melgas e o cão que depois de velho entrou no cio.
Nos cantos das paredes junto ao tecto cresce a olhos vistos uma mancha de humidade, uma mancha inofensiva, mas ofensiva para o meu sentido do mundo. O cinzento das paredes que nunca mais será exatamente aquele que eu escolhi, a mancha penetrando nos meus quadros.
Nada mais parece estar no lugar. Não chove, apenas vivemos envoltos neste mar de dias cinzentos, peganhentos de saturação de água no ar.
As laranjas caiem espontâneas para o chão, a roupa não enxuga e entretanto estamos em fevereiro, a pensar trivialidades. Onze meses de trivialidades. Já vi formigas no quintal, como se lida com formigas no inverno? Como se fosse normal?
E o raio da televisão que continua a vomitar tragédia, e nós cansados já não vemos números. Pensamos no que vamos almoçar amanhã, sim, fazer almoço é algo que tem de ser pensado. As compras feitas antes. Por agora já nos devíamos ter habituado a fazer um menu, acabar de vez com essa coisa da espontaneidade.
Estava a remexer nas bainhas da blusa, a puxar fios com as unhas mal limadas que os tempos não me deixam ir arranjar e estava a pensar que já passamos da vida adiada. Adiada parece que vamos partir de onde parámos e continuarmos a ser quem éramos antes dos traumas e dos cabelos brancos do último ano. Não, isto parece-se mais com um assalto, uma vida roubada. E nós de luto, sem saber ainda como a chorar.
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