Chorava por tudo e por nada. Lágrimas, era algo que a
invadia como consequência óbvia de vagas de raiva ou de nervos. Ou de filmes
lamechas ou de situações tristes mas de uma beleza rara.
No entanto, nunca conseguia verter uma lágrima quando alguém
morria. De forma embaraçante o rio secava dentro de si. Num mar de calma e paz,
mas seco. Pleno de nostálgica contemplação, sem crises, nem gritos. Nem
lágrimas.
Recebia sempre a notícia dessa forma impessoal,
petrificando-se num silêncio embaraçoso. E esse desconforto aparente crescia ao
mesmo tempo que as pessoas à sua volta se agitavam, esbracejando, decidindo a
quem avisar a seguir.
O seu rosto perdia expressão, tornava-se num deserto. E por
mais estranho que parecesse havia uma onda de paz que invadia a sua alma
enquanto relembrava rostos e pequenos momentos, as idiossincrasias das pessoas,
o pequeno tique do rosto, o cheiro específico que nos avisava que estava a
chegar.
E o desconforto alastrava na falta de lágrimas e alarme, na
ausência das palavras de pesar, naquelas estranheza de não saber o que fazer
com as mãos nem como estar. Contemplando a amargura dos outros em rostos
inchados e descaídos, alarmava-a não conseguir chorar. Como se a apatia fosse
crime, como se a única maneira social de expressar a revolta dos momentos fosse
verter um rio.
Não havia ainda compreendido o definitivo de tudo aquilo. A
perda. Essa coisa perpétua e intransponível, morrer. Isso que nos acontecerá a
todos e que todos lamentam naquele mar de lugares comuns ditos sem entoação à
entrada das salas claras e frias onde se vela o caixão aberto.
Essa perda total de possibilidade. Esse esgotar, esse tornar
impossível. A certeza absoluta de que o que não foi dito nem feito jamais terá
lugar depois desse evento: a morte.
Da consciência, do corpo, da alma ou de
qualquer outra entidade em que se queira acreditar. A morte em si, em definitivo,
tão certa e esperada e no entanto, esse absoluto mistério.
Continuava de mãos desocupadas, seca por dentro, sentada num
desses bancos corridos de madeira, desenhados para o desconforto das noites de
vigia. Ouvia, os outros, os vivos a falar das vidas que restam, uma ou outra
lembrança, às vezes um suspiro.
Choraria um dia talvez. Um dia quebraria. No dia que
percebesse a finitude de tudo quem sabe. Talvez no dia em que se confrontasse
com o seu próprio fim. Ou talvez chorar não fosse tão importante.
Porque é importante? Se era chorona? Se chorava ao finalizar
um romance, se chorar era só isso. Lágrimas, uma expressão biológica.
Ia abandonar-se ao silêncio do deserto, seco, amargo e
esperançoso. Olhando uma miragem, agarrando-se a um resquício de imaginação,
criando continuidade para aquele fim. Sem se dar ao luxo dessa banalidade,
chorar.
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