Sou contemporânea da inutilidade. Dos dias sem rumo, das tarefas sem frutos, do mundo invisível.
De todas essas coisas de que nos ocupamos mas não podemos tocar.
Os dias de labor que não se materializam, não se apalpam nem se vêem. O pensar.
O inútil das coisas que sabemos quando nos deparamos com um mundo que não quer saber de nada.
O inútil que é conhecer a beleza das coisas e ter de viver na fealdade.
O desperdício. O tempo perdido, a inutilidade.
De todos esses anos a imaginar futuros e a preparar caminhos, quando percebemos que a estrada estava à partida fechada. As batalhas, perdidas antes de começarem, inúteis e no entanto nós saímos para batalhar.
Percebemos então a singularidade do nossa posição. A inutilidade de tudo isto.
No dia que aceitarmos a inutilidade da existência, talvez deixemos de nos preocupar com a relevância da vida e começar finalmente a existir.
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Não saber o que fazer é um vasto campo pantanoso onde nos enterramos todos os dias um pouco mais. Esperneamos porque queremos sair, mas é o nosso próprio espernear que nos afunda. Como se morrêssemos de vagar por não saber o que fazer e morrêssemos depressa exaustos de procurar.
Um dia iniciamos um caminho numa campo de estudo, numa área que achamos que pode ser a nossa vida. Apaixonamos-nos, damos tudo num romance que se espera dure para sempre. Nos faça felizes, nos ajude a crescer. Esperamos coisas desse campo, esperamos poder dar, ajudar a evoluir, fazer bodas de prata e de diamante professando a profissão. Uma vida.
E depois num outro dia, anos mais tarde acordamos de coração partido. Fomos abandonados. Ou enganados, ou tudo junto e aquela coisa que nutrimos durante tantos anos já não é nada do que conhecíamos. Não se transformou no que esperávamos.
De luto, pensamos: talvez seja a hora de nos divorciarmos.
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Ai a inutilidade de tudo é evidente.
Se tudo o que sabemos não nos serve. Que nos sobra?
Quem somos? O que é suposto fazer a seguir?
Como, a seguir a um divorcio litigioso nos apaixonamos outra vez?
Vamos a tempo de recuperar os anos perdidos?
Vamos a tempo de recomeçar? De ser realmente bons em qualquer outra coisa?
Podemos sonhar? Podemos não ser divorciados na carteira profissional?
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Há uma elite de privilegiados que diz fazer o que gosta. Aqueles que não trabalham um dia na vida como diria Confúcio.
Depois há os que trabalham porque têm de viver. Camus disse que é uma espécie de Snobismo espiritual pensar que podemos ser felizes sem dinheiro. Há quem seja, mas queremos mesmo nós viver sem dinheiro? Faz-me diferença não aceder a coisas? Ao belo? Ao saudável? Ao divertido? A cultura? Não queremos nós que as montras se materializem nas nossas vidas, com coisas bonitas?
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Ainda na inutilidade das coisas, e depois de tantos anos de amor e uma cabana eu e o jornalismo estamos em crise. Existencial. Comunicamos pouco, escrevemos menos. Houve tempos que eu achei que o podia fazer feliz.
Houve um tempo em que ele teria-me feito muito feliz...
A cabana está podre.
O amor... sendo intemporal e inalienável de mim ... é inútil...
Podemos sobreviver à simples constatação da inutilidade das coisas?