Durante a escola, o meu pai achou que eu não devia fazer a educação moral e nunca, na minha casa, se teve ritos ou crenças para lá do senso comum de uma educação ocidental.
Posso enumerar pelos dedos das mãos as cerimonias religiosas a que assisti. Três casamentos, dois funerais, uma missa de 7°dia, um batizado e a minha própria queima das fitas.
Crescer nessa total ausência de credo é ao mesmo tempo libertador e absurdo, porque crer em algo trás um certo conforto à alma, acrescenta-lhe sentido. Justificar o mal que nos acontece com os designios de Deus, com o plano superior e o de bom, como uma benção divina providência justificação ao absurdo da existência.
Por outro lado, a iliteracia religiosa sobressai nesses momentos aos quais devemos comungar com os outros. O não saber qual a resposta à ladainha da missa mantêm-me de boca fechada desfarçando um certo embaraço, porque provavelmente fiz os gestos ao contrário, porque devemos impor respeito nos momentos de fé. Aquilo deve dizer algo, deve ser emocionante, espiritual e o meu ar de ser ausente não se compadece. Apenas ai existo questionando-me sobre o que será suposto sentir.
Quando não pertences, olhas para baixo, focas os pés, meditas. Como qualquer provação eventualmente chegará ao fim. A ignorância é então o meu estado de graça.
O que não quer dizer que não tenha fé. Toda a nossa educação é de alguma forma reliogiosa. O nosso conceito de culpa e de pecado. Contínuo a lembrar a Santa Bárbara quando faz trovões.
Sinto de alguma forma respeito pelos templos, pelos espaços, mesmo que desconfie das instituições. Acendo velas em Fátima, de forma desprendida. Imagino que se pedir, há uma qualquer probabilidade de ser ouvida.
Questiono-me muitas vezes se essa ileteracia me exclui. Se posso ser ouvida se não faço parte. Se faz sequer sentido pedir. Ou se posso acreditar que a sugestão do pedido em conjunto com essa força do desejo nos pode simplesmente sugestionar e impulsionar a ser mais positivos, que a crença de que temos ajuda dívina nos permite fazer coisas acontecer.
Todas essas questões são inócuas a maior parte do tempo. Não nos surgem num domingo de manhã em que em vez de ir à missa dormimos até à hora do brunch, nem nos atormentam quando escolhemos o bife para o almoço numa sexta—feira Santa.
Essas questões vagueiam em nós apenas nos momentos de perda, de dúvida ou grande desilusão. Quando precisamos de explicações, ou quando confrontados com a falta de sentido, com o vazio, nos olhamos e pensamos que precisávamos de crer em algo, ter fé.
Toda esta conversa porque me é difícil, mesmo com o respeito que tenho pelos espaços, perceber, aceitar e até mesmo sentir essa conexão espiritual com símbolos presentes. Com as caixas das esmolas ou com as vias sacras manchadas dos que passam de joelhos. Com as croas de ouro no topo de Torres ou com o ar magistral, tão imponente como opressivo de toda a construção.
Impõe-se depois o folclore de lembranças, de cores garridas em objectos "kistch" daqueles que sempre se viu perdidos pelos móveis em cima de naperons rendados. Desses que jurámos que nunca os iríamos ter.
Nessa mescla de contradições, entre a necessidade básica de apaziguar as dúvidas da existência e todo um pensamento abstracto perante as crenças e as religiões, onde fica a nossa fé? Para onde a dirigimos?
Aceitamos que a temos, ou vivemos num ligeiro cinismo descrente?
Tornamos-nos por fim subscritores das teorias do absurdo e da aleatoriedade da vida?
Ou cremos no sentido?
Aceitamos por fim uma explicação, porque sim, é mais confortável crer...?
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