quinta-feira, janeiro 30, 2014

Das relações e outras ralações…


Não tenho bons exemplos. Nunca tive, os casais da minha vida não se aturam nem se aguentam, talvez seja porque existo eu. Mas perduram firmes e hirtos, como um monumento porque há coisas na vida que não podem acabar, mesmo que a sua existência seja metaforicamente um fim de vida.

Deparo-me então com essa perplexidade, muitas das pessoas que conheço vivem de alguma forma relações contrariadas. Porque o amor morreu há demasiado tempo, porque a concepção de fidelidade varia conforme o interlocutor, porque de tudo o que podem fazer no mundo estão a fazer qualquer outra coisa, porque não são um, mas são dois. Mas os dois…na verdade não dão um que valha a pena.

Chega então aquela fase que apetece ser mesmo cínica com essa coisa do amor. Do imaginário Romeu e Julieta e do arrebatamento apaixonado das histórias dos filmes… afinal, parece que já não se morre de amores, mas os amores fazem muita gente enterrar-se em vida.

Lembram-se das paixões da adolescência, de como estávamos sempre às portas da tormenta, das cartas e bilhetinhos, de todas as oportunidades para nos confinarmos no mesmo espaço e respirar o mesmo ar? Que se passa entretanto?

Quando é que pessoas que sonharam juntas passam a ser mortos-vivos olhando o prato de sopa? E quando é que passa a ser aceitável mentir, trair, enganar e voltar para casa de cara lavada?

Se fosse noutros tempos revoltar-me-ia.

Assim, apetece-me só ser cínica.

Ainda que tenha um coração de menina, ainda que sonhe acordada, ainda que no meu íntimo deseje que tudo isso seja mentira, e as pessoas se amem e se apaixonem e fiquem transtornadas, e mudem as suas vidas…


Porque eu sei que é possível, mesmo que tenha um fim. E antes um fim, triste e devastador, que uma não vida.

sábado, janeiro 25, 2014

A arte de ouvir...

As Pessoas falam. Às vezes de coisas simples, de trivialidades, sobre o tempo. Outras vezes despejam os restos da sua alma magoada nos nossos ouvidos.
Percebi ao longo dos anos que a maior partes das vezes, as Pessoas não querem conversar, querem falar.
Ser ouvidas numa última esperança que a sua ladainha interior tenha um rosto.
Há coisas que só se tornam reais quando tomam a forma de palavras, ditas ... Ouvidas.
Falar é então um acto solitário, um monólogo em que o outro é a plateia. Em vez de palmas incentiva com monossílabos, expressões indignadas, risos de alegria.
Mas é tudo. Podes até tentar introduzir debate, ideias, desconstruir a situação. Mas não há espaço, as Pessoas não querem conversa. Querem ouvir-se. Querem que tu as ouças. E num acto de compaixão ouves, mesmo que seja uma experiência extra- corporal, mesmo que estejas a ouvir um piano imaginário em segundo plano. Ouves.
E às vezes, essa disponibilidade, ouvir, pode salvar-lhes o dia.

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Sinto que são cada vez mais como crianças. Mas crianças com memórias.
As memórias perdidas no vácuo do tempo, repetindo-se num eterno retorno de momentos vividos, quando não se criam novas memórias, não se vivem novas sensações, são corrosivas, transformam-se numa adição.
Nos dias livres de encargos, de hobbies, vivendo um mundo interior incapaz de preencher o propósito de uma vida, tornam-se então crianças que perguntam o porquê de tudo quanto é novo, renegam o desconforto de um mundo desconhecido, esta modernidade criada sem o seu consentimento.
São crianças, dessas que não podemos contrariar, endossadas pela experiência de vida, cheios da verdade que nós só daqui a uns anos poderemos alcançar. Mas crianças, ironia última da existência, regredimos lentamente até à obscuridade de onde viemos.

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"Senta-te e ouve. Porque vês, ali naquele lado do campo ainda não há água, mas costumava haver. Entrava de mansinho pela lezíria acima, o Tejo falava. Na crueldades do inverno, chovia... Um ano choveu sete semanas sem parar. E o Tejo falava com o campo, acariciando-o antes de o tomar.
Vínhamos a pé, lá de longe bem sabes, juntos em rancho pela madrugada. Aqui neste lado, olha a quinta caída a miséria que era. - Mais miseráveis somos agora, olha a quinta caída. - Aqui as mulheres arregaçavam as mangas a apanhar vides, tinhas de trabalhar, num rancho ninguém quer ficar para trás, não ficavas, mesmo que as bolhas te rebentassem nas mãos e os pés negros de frio se isolassem do teu corpo submersos na água presa nos regos das vinhas. Vocês sabem pouco nestes dias, a fome. E os dias sem descanso, de sol a sol, ainda que o sol fosse fraco e o gelo não derretesse nunca debaixo dos nossos pés. Sabem cada vez menos vocês nestes dias."

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É tudo difícil de imaginar no conforto dos tempos, ali prostrados a beira da estrada meio esburacada do caminho do campo. Ao longe o sol sorri à cidade alta, as portas do sol, na planície o vento sopra forte por debaixo de um céu negro e acima da terra ensopada.
Mas aproveita o silêncio, se fechares os olhos e ouvires o correr do rio, se prestares atenção ao silencio ensurdecedor do campo podes vê-los por ali, dedicados as suas tarefas, carregado o fardo pesado.
E sente, nesse silêncio o vibrar do chão ao passo dos cavalos na terra batida. Nesse silêncio dos sítios inertes onde já houve vida. As casas caídas, os quintais abandonados, os que restam enterrados em vida.
Repete-te: "Sabem cada vez menos, vocês por estes dias."

quarta-feira, janeiro 22, 2014

O fim das coisas...


Quando começamos algo, em geral, não lhe antevemos o fim. Não programamos a nossa vida para a obsolescência, o casamento é para a vida, os projectos para darem certo, as escolhas certezas. Somos optimistas e inocentes na mesma medida, e só por isso nos permitimos a tantos mergulhos no escuro.

Só por isso corremos tantos riscos que não são calculados, porque a Lei de Murphy não se aplica a começos, ela só se comprova no fim.

                                                           "........"

Nesse momento em que comprovamos que tudo o que podia correr mal, correu mesmo e olhamos para trás, um simples relance, conseguimos ver que a final, os sinais sempre estiveram lá, nós simplesmente nos recusamos a ver. Essa voz silenciosa no fundo do nosso peito, não é consciência, não é medo. Na maior parte das vezes é pura intuição. Porra, porque não nos ouvimos mais? Porque não nos retiramos em curas de silêncio?

                                                           "........"

Porque a vida perderia a graça sem a incidência de erro? Porque precisamos de experiência e vivências, e comunhão com os outros? Simplesmente porque é isso, estar vivo.
Não há respostas a tantas perguntas, e ás tantas perguntas que ainda estão por fazer. E como num exercício académico bafiento e ultrapassado, as perguntas criam mais perguntas e não soluções, não exercícios práticos de resolução.
Parece-me, que teremos de passar pela vida apenas questionando os silêncios constrangedores, as situações desajeitadas e todas as outras hipóteses presentes no momento que não conseguimos entender.
                           
                                                           "........"

Deu errado então. Ou deu certo de tantos outros pontos de vista. Mas o começo chegou finalmente ao fim. Encerrado. Com tantos outros pontos de chegada diferentes do sonho americano, da vida construída e ganha à força de trabalho, o alpendre e a cadeira de baloiço em tardes quente de verão.
Talvez não seja esse o tipo de pessoas que somos. O nosso alpendre não acaba num relvado fresco, Céus, quem tem paciência para o regar?! 

                                                           "........"

Encaremos então o fim das coisas. Como a morte natural, o limiar da vida, a recusa de eternidade das ideias. O fim das coisas, de qualquer coisa, é tangível, identificável, acontece.
E depois de refeitos, de encaixado o vazio nos nossos dias, de lutos apaziguados e de lágrimas secas.
O fim das coisas, quando compreendido. Pode ser O começo de tantas outras vidas.

                                                           "........"

Sejamos Optimistas e inocentes na mesma medida...