Queremos ser cada vez mais indivíduos
livres, únicos, especiais. Queremos tomar decisões e ter as rédeas da nossa
vida, gozar de um livre arbítrio que é nosso por direito divino. Queremos ser a
melhor versão de nós mesmos, um hino à solidão, uma forma de ode ao
egocentrismo, Eu no centro do mundo, do meu e dos outros.
Mas depois descobrimos que só
somos especiais, únicos e livres em comunhão com os outros. Na afirmação e no reconhecimento
perante quem nos ama, aqueles que amamos. Temos de imperiosamente ser únicos e
especiais perante outros, precisamos de confirmação.
E esse é o imenso paradoxo da existência
contemporânea. Porque o nosso Eu especial é pouco dado à partilha ou à cedência.
Porque o nosso Eu não pode depender de ninguém para ser o melhor que pode ser,
a nossa necessidade de aceitação é inversamente grande à nossa capacidade de
aceitar.
Mas o EU sozinho definha. Não
somos seres sós. Her, de Spike Jonze é um filme que fala disso, do difícil que
é ser só e do muito que estamos dispostos a fazer para encontrar algo que nos
ocupe o vazio.
Theodore apaixona-se por um sistema
operativo, Samantha é um conjunto de zeros e uns, um ser que vive no éter, mas
um ser pensante, um ser capaz de aceitar. Theodore falhou na vida, na realidade
foi incapaz de ceder o suficiente, foi exigente demais, deu pouco.
Mas a necessidade de partilha e
de confirmação é avassaladora, antes aceitar um ser virtual que ninguém. Antes
ser amando por um ser intangível do que por ninguém. A nossa necessidade de
paixão e amor é insaciável.
Uma vida solitária parece ser
coberta por um manto de escuridão.
Pessoa disse
que “ enquanto não superarmos a ansia de amor sem limites (…) continuaremos a
buscar-nos em outras metades. Para se ser dois, antes é necessário ser um.” E
depois disse-nos que se nos é impossível estar sós, aparte dos Homens, somos escravos.
Somos escravos
subjugados pela solidão dos nossos dias, pelas paredes fechadas, pelos quartos
vazios. Temos medo do
silêncio, de nos ouvirmos. Somos escravos e ao mesmo tempo Senhores da nossa
escravidão.
“Her” é uma
alegoria para esse medo, essa necessidade selvagem. É tocante, é tocante
rever-nos numa história destruída, num luto continuado, num mar de melancolia.
E depois a luz, qualquer luz, a luz errada, outra luz a seguir.
Crescendo com
outros até que não precisamos mais de encontrar outra metade, essas metades despedaçadas.
E encontramos simplesmente alguém, inteiro.
Poderemos ai ser
inteiros os dois.
***
Pensei para mim há algum tempo, que há pouca coisa na vida que eu faço com os outros que não possa fazer
sozinha. Posso sair e passear, posso jantar sozinha, sentar-me numa esplanada,
correr, ir à praia, viver sozinha.
Dito assim
parece que sou pouco de estar com pessoas, mas não. As minhas pessoas estão por
todo o lado, e eu sozinha em qualquer sítio, era uma escravidão.
Quero ser um
todo. Ouvir-me, ver-me, perdoar-me, congratular-me, gostar ou não. Ser um todo
uno, menos escravo, sem medo da solidão. Aturar-me, vencer o tédio da existência, poder estar acompanhada de mim. Não porque sou um ser hermita, mas porque de todas as pessoas que conheço, é comigo que passo mais tempo...
Aprender a
estar só tem sido um desafio dos últimos anos. Uma aprendizagem difícil.
Estar só é
muito mais do que o silêncio dos dias ou a falta de companhia.
É fazer
escolhas e ser responsável por elas. É superar essa sensação de perda quando as
fazemos.
Perdoarmo-nos
quando erramos.
É agarrar num
livro e sentar na esplanada e beber o que apetecer, e ficar lá sozinha, sem
vergonha desse estado, sem negação.
Aceitar o som
do silêncio.
Gostar dele.
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