quarta-feira, março 05, 2014

Ensaios sobre a memória II


“Ainda há pouco a minha mente vagueou até ti. A rever uma e outra vez. Incessantemente. O principio, o meio e o fim da história. Escrutinando, procurando esse momento tão específico, essa razão crucial, o princípio do fim das coisas. A resposta para todas as perguntas, uma justificação para aquilo que o absurdo não satisfaz. Às vezes vagueio assim.

Gosto de pensar que há histórias maiores que a vida, ou que valem uma vida por si. Como se tudo o resto só tivesse início nessa fundação, alicerces fundos, às vezes dolorosos mas capazes, feitos para durar e suportar tudo o resto.

Porque se sobrevivemos a essa derrocada, ficaremos para sempre de pé, muito para lá do fim dos tempos, dos limites do nosso ser. Ficaremos.

Às vezes sinto uma vontade enorme de conversar, de te contar coisas, de rir. Só de rir. Porque riamos tanto. Á vezes é uma vontade tão grande que apetece gritar, é mais que física, é existencial.

E depois as saudades de todas as primeiras coisas que não fizemos, de tudo o que vamos vivendo e não estamos, não somos, não.

Às vezes vagueio até ti e imagino que tínhamos sido mais humildes, menos nós mesmos, mais outras coisas. Às vezes gostava que estivesses aqui.

Gostava que nos conhecêssemos agora, que tropeçássemos um no outro na esquina de uma rua movimentada, que fossemos beber um café como dois estranhos e começássemos a acabar as frases um do outro sobre as coisas de que gostamos.

Gostava que o mundo pudesse recomeçar e pudéssemos ter de novo todas as coisas. Não como antes, mas agora. Sendo o que somos, tão diferentes e tão essencialmente iguais.

Às vezes vagueio até ti. Como se estivesses a meu lado, como se fosses parte. Uma parte de mim, que eu não consigo mais tocar.

Crescemos tão juntos, vejo-te em casa palavra que escrevo, e a tua presença é um sopro de brisa morna, algo que se sente mas completamente intangível.

Às vezes vagueio, Outras não preciso. É como se estivesses aqui.”


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