São esse momento inédito e desorganizado em que pessoas tão diferentes se juntam.
Gritam, fazem barulho, barafustam e destilam alguma da sua desilusão.
Muitos não saberão bem por que estão ali. Nem tão pouco contra que moinho lutam. Mas a manifestação faz-se desse encontro de vontades, dessa necessidade de contribuir e de tentar, mesmo que de uma forma utópica, mudar o mundo.
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Sinto-me sempre e invariavelmente emocionada quando ouço o meu povo cantar em uníssono o Hino Nacional. Deve haver, algures dentro de mim, um ser patriótico.
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Não fui a Lisboa, talvez devesse ter ido. Talvez devesse estar lá e ser mais um número na multidão. Devia gritar palavras de ordem. Jogar pedras para a escadaria do Parlamento, ver petardos a rebentar. Estar ali exposta e vulnerável, claustrofóbica no meio do medo de ser esmagada.
Mas devia ter ido. Ver a revolução, talvez não a fazer, mas sentir o que paira no ar. Se é esse ambiente pacifico. Se é que há verdadeira revolução pacifica, imaculada e sem sangue, sem dor e sem mágoas que fiquem para a história...
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Não falei no megafone. Falta-me o jeito.
Mas se falasse teria dito o quão grande é a minha desilusão.
Não só porque afinal o mundo é mais negro do que cresci a acreditar. Porque afinal não vivemos num Estado justo e igualitário.
Diria da minha desilusão de ver esta terra a definhar porque fomos esquecidos, porque somos poucos e não contamos.
A desilusão de ter apostado no Portugal profundo, na qualidade de vida da província, na promessa que o advento da modernidade nos colocaria sempre mais perto do mundo, mas que afinal, ao fim de uma década nos deixou ainda mais longe.
Podia contar do meu pesar pelo desagravo com que somos desperdiçados todos os dias. O talento, a energia e a vontade de trabalhar. Ou pior, como ao longo dos últimos anos, e apesar de termos estudado tanto, fomos tão mal educados e como o mérito deixou de contar e se transformou em números sem significado.
Diria que sonhei um dia com uma vida digna e desafogada, que me foi prometida em virtude do meu esforço, que era lógica, que era justa, mas que ainda não aconteceu.
Diria que me doí o coração de ver os meus velhotes abandonados às suas dores porque as suas pensões são de miséria e não há um lar decente que os receba, porque embora cada vez haja mais velhos, cada vez há menos dignidade em envelhecer.
Diria que não acredito nessa organização da sociedade, que não sei como se muda mas que algo tem de mudar.
Diria que mais do que triste e desiludida com as dificuldades de agora estou desolada pelos sonhos que vão tardar em chegar, pelo tempo perdido, pela vida gasta...
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O mundo é tão vasto, a Terra generosa bastaria apenas sermos todos muito mais humanos.